Vencer a guerra contra o câncer será torná-lo uma doença crônica, diz oncologista indiano
Folha
de São Paulo, 17-04-2012.
CLÁUDIA COLLUCCI
CLÁUDIA COLLUCCI
Em
1971, o então presidente dos EUA, Richard Nixon, declarou "guerra contra o
câncer". Quatro décadas e bilhões de dólares investidos em pesquisa e
tratamento da doença depois, a conclusão é que a batalha talvez jamais seja
ganha por completo.
É o que
pensa o oncologista Siddhartha Mukherjee, autor do livro "O Imperador de
Todos os Males: Uma Biografia do Câncer" (Companhia das Letras, 640 págs.,
R$ 54), vencedor do Prêmio Pulitzer de 2011 (categoria não ficção).
"Câncer
não é uma doença, mas muitas e diferentes doenças, que demandam diferentes
tratamentos. Pensar numa bala de prata que pudesse curar todas as formas de
câncer é uma falácia", afirma o indiano, nascido em Nova Déli há 41 anos.
Best-seller
nos Estados Unidos e traduzido em sete línguas, o livro conta a história da
doença, cujos registros remontam a 4.000 anos atrás.
Para
Mukherjee, ainda falta tecnologia para compreender e tratar com mais eficiência
os tumores. "O estudo dos genes associados ao câncer ainda está na
infância."
Ele
aposta que o caminho será tratar o câncer como uma doença crônica. "Talvez
seja esse o significado de vencer a guerra contra o câncer." A seguir, a
entrevista dada, por telefone, à Folha.
Folha - Por que biografia e não história do
câncer?
Siddhartha
Mukherjee - Esse livro é uma longa resposta a uma paciente que eu tratei em
Boston, com uma forma agressiva de câncer abdominal. Ela tinha sido tratada com
quimioterapia, teve uma recaída e foi tratada de novo. Em certo ponto do tratamento,
ela disse: "Preciso saber contra o que estou lutando". Ela morreu,
mas o livro tenta responder essa questão.
Essa é
a razão pela qual é chamado de biografia do câncer. Porque trata o câncer como
uma entidade, uma personalidade. Uma história não traduziria a forma visceral
como o câncer se tornou parte das nossas vidas, particularmente no final do
século 20. Minha história pessoal também entrou aí.
O sr. escreveu sobre tratamentos impensáveis
hoje. Acha que pensaremos a mesma coisa sobre as atuais terapias?
Sim,
cem anos atrás usávamos pernas de sapo para tratar alguns tumores. O problema é
que, em medicina, você não tem o luxo de poder dizer: "Volte daqui a dez
anos e vamos saber qual a melhor maneira de tratar seu câncer de
próstata". Espero que em um futuro breve alguém olhe para o que a gente
faz hoje e diga: "Meu Deus, o que é que esses caras estavam
pensando?".
Tem esperança em melhores terapias ou numa
cura?
Como
não ter esperança? Descobertas ocorreram e estão ocorrendo. Não significa que
todas elas foram descobertas brilhantes ou que vão levar à cura universal do
câncer. Câncer não é uma doença, mas muitas e diferentes doenças, que demandam
diferentes tratamentos. Pensar numa bala de prata é falácia.
Por que ainda não há tratamentos mais eficientes?
Ainda
não temos tecnologia para compreender essa doença e tratá-la. O estudo dos
genes associados ao câncer ainda está na infância, e o que a gente sabe sobre
química não é suficiente para encontrarmos moléculas que ataquem as células
cancerígenas e poupem as sadias sem devastar o corpo.
Não há muita pesquisa sobre mutações que
causam câncer e pouca coisa sendo feita sobre outras causas?
Penso
que a genética é só uma pequena peça de um grande quebra-cabeças. Hoje estamos
na era de usar a genética para entender o câncer. Houve um tempo em que os
vírus eram o foco. Acho que os próximos avanços envolverão algo além da
genética. O papel dos microambientes é muito subestimado, e é um campo em
expansão.
O sr. crê que a tendência seja tratar o
câncer como uma doença crônica, como a Aids?
Acredito
que o caminho seja descobrir novas maneiras de prevenção. O câncer está
intrinsecamente ligado ao processo biológico de reprodução das nossas células.
Às vezes o processo de crescimento descontrolado das células tem origem numa
mutação causada por um agente cancerígeno, mas em muitas outras situações é uma
mutação aleatória, ocorrida quando nossas células se reproduzem.Talvez seja
impossível desconectar o câncer de nossos corpos. Mas, para vários tipos, será
possível achar meios de tratamento que o tornem uma doença crônica. Talvez seja
esse o significado de vencer a guerra.
Muito se fala sobre cigarro como causa de
câncer. E álcool?
O
álcool é um conhecido fator de risco para o câncer de fígado. Estudos sólidos
também mostram que o álcool somado ao fumo aumenta o risco do câncer do
esôfago.
E as causas ambientais?
Sabemos
que os fatores ambientais podem causar câncer, mas às vezes é difícil mostrar
uma relação clara. Se tivermos uma substância nociva na água ou no ar e ela não
provocar câncer em massa, é difícil provar a origem.
O sr. acredita que hoje temos excesso de
tratamento?
Sim.
Uma mulher de 80 anos com câncer de mama deve fazer o mesmo tratamento que uma
mulher de 35 anos na mesma condição? Provavelmente não. Em geral, sabemos o que
precisamos fazer em câncer, não o que não devemos fazer. Nas leucemias,
costumávamos dar o máximo de químio possível. Temos de perguntar quando devemos
parar. Todos os procedimentos têm efeitos adversos.
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