quinta-feira, 8 de setembro de 2011

NOTÍCIA: ALTERAÇÕES NEURONAIS DA ESQUIZOFRENIA

As alterações neuronais da esquizofrenia
Células cerebrais de quem tem o transtorno mental consomem duas vezes mais oxigênio que o normal
Revista Pesquisa Fapesp, 02-09-2011

Surge uma nova evidência de que as células cerebrais de pessoas com esquizofrenia funcionam de modo distinto das células de quem não tem o transtorno mental, que atinge 1% da população e altera a percepção da realidade, torna o pensamento desordenado e provoca delírios e alucinações.

Sob a coordenação do neurocientista Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um grupo de pesquisadores do Rio, de São Paulo e do Rio Grande do Sul constatou que durante o processo de amadurecimento e especialização as células do sistema nervoso central dos esquizofrênicos consomem duas vezes mais oxigênio do que as de pessoas saudáveis. Esse oxigênio extra, porém, não é consumido na geração de energia, fenômeno conhecido como respiração celular, mas em reações químicas que liberam moléculas altamente reativas, com potencial de danificar as células e até matá-las.

Rehen e seus colaboradores identificaram essa alteração no metabolismo celular em testes feitos com um modelo experimental inovador. Eles usaram um vírus para inserir cópias de quatro genes em células da pele de uma mulher de 48 anos com esquizofrenia e forçá-las a se transformarem em células mais imaturas e versáteis: as células-tronco de pluripotência induzida (iPS).

Em seguida, essas células receberam um banho de compostos químicos que as induziu a se converterem em células do sistema nervoso central. Mas, antes que essas células atingissem o grau máximo de especialização e originassem as células cerebrais maduras (neurônios, células da glia e oligodendrócitos), a biomédica Bruna Paulsen e a bióloga Renata Maciel as submeteram a uma série de testes para avaliar o consumo de oxigênio.

“Foi a primeira vez que se observou esse fenômeno em um modelo que simula o desenvolvimento  de células cerebrais”, afirma Bruna, pesquisadora do Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias (LaNCE), da UFRJ, e, ao lado de Renata, primeira autora do artigo a ser publicado na revista Cell Transplantation descrevendo os resultados, do qual participou também a psiquiatra Helena Brentani, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Estudos anteriores tinham identificado um aumento importante na produção de moléculas reativas, os chamados radicais livres, no cérebro de pessoas com esquizofrenia. Mas havia uma diferença importante. Por razões éticas, os testes tinham sido feitos com células cerebrais extraídas após a morte do paciente, o que tornava difícil saber se a mudança na taxa de radicais livres estava de fato associada ao desenvolvimento da doença ou se era decorrente de algum outro fator, como o envelhecimento.

Ao forçar as células da pele a se transformarem em células iPS por meio da chamada reprogramação celular, os pesquisadores eliminaram as influências sociais e ambientais registradas nas células, como o uso de medicamentos para tratar esquizofrenia, e puderam verificar os fenômenos exclusivamente biológicos que ocorrem durante o desenvolvimento celular. A alteração fisiológica que viram nas células em laboratório, acreditam, também deve se manifestar nos neurônios de quem tem esquizofrenia, uma vez que, do ponto de vista genético, os dois grupos de células são idênticos. Em abril deste ano, a equipe do neurocientista norte-americano Fred Gage, do Instituto Salk, na Califórnia, publicou um trabalho semelhante, no qual foram observadas uma alteração genética e outra morfológica em neurônios obtidos a partir de células da pele de pessoas com esquizofrenia (ver a reportagem A teia neural da esquizofrenia).

Os dados obtidos pelo grupo de Rehen confirmam que o desequilíbrio fisiológico nas células de quem tem esquizofrenia surge durante o desenvolvimento do sistema nervoso. Mais especificamente, na fase de diferenciação, quando as células começam a sofrer transformações em sua forma e a adquirir a capacidade de realizar funções bastante específicas, como, no caso dos neurônios, a transmissão e o armazenamento de informações.

“Nossos resultados reforçam a idéia apresentada em trabalhos recentes de que a esquizofrenia é uma doença ligada ao desenvolvimento do sistema nervoso, embora os sinais clínicos só costumem aparecer na adolescência”, conta Bruna.

A biomédica conseguiu reduzir a produção de radicais livres para níveis semelhantes aos medidos em células reprogramadas de pessoas sem esquizofrenia ao tratá-las com valproato, medicamento adotado para estabilizar o humor, principalmente nos casos de transtorno bipolar, mas também em algumas formas de esquizofrenia. “O valproato parece ter aumentado as defesas antioxidantes [contra os radicais livres] das células, como sugeriam outras pesquisas”, diz Bruna.

O uso do modelo celular da esquizofrenia, na opinião da pesquisadora, pode no futuro levar ao desenvolvimento da medicina personalizada por permitir escolher o tratamento mais adequado e eficaz para cada pessoa.

“A esquizofrenia é um conjunto de transtornos bem diversos, que podem se manifestar de maneira diferente em cada pessoa e exigir tratamentos distintos”, explica. “Com o modelo experimental, talvez seja possível testar os medicamentos em laboratório antes de indicá-lo para o paciente, em vez de se procurar o melhor medicamento como se faz hoje, na base de tentativa e erro”.

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