Esponja marinha vira arma contra o câncer
Correio Braziliense, 16-05-2012
Simone Lima
Pesquisadores da Universidade Federal de São João del-Rei testam em laboratório uma substância chamada teoneladina C, que se mostra eficiente no combate ao crescimento de células cancerígenas.
Belo Horizonte — Uma descoberta feita por pesquisadores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), câmpus de Divinópolis (MG), pode baratear o tratamento contra alguns tipos de câncer. A teoneladina C, produzida por esponjas marinhas, tem se mostrado eficiente no combate ao crescimento de células cancerígenas. Em alguns casos, os tumores foram completamente destruídos. A expectativa é oferecer aos pacientes um medicamento eficaz, com custo reduzido. A novidade, no entanto, pode demorar algum tempo para chegar ao mercado: a previsão é que o estudo, ainda em fase inicial, seja finalizado no prazo de 10 a 15 anos. Apesar da demora, a pesquisa é acompanhada — e esperada com ansiedade — por pacientes e profissionais da área da saúde.
Não há dados exatos sobre o total gasto no país com medicamentos para pacientes com câncer, mas sabe-se que a conta é exorbitante, já que a maior parte da medicação é importada e considerada de alto custo. Atualmente, existem 810 remédios contra o mal na lista da Relação Nacional de Medicamentos, que inclui drogas fornecidas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o Ministério da Saúde, a aquisição dessas drogas é feita de forma descentralizada e "cabe ao gestor realizar a compra". O único medicamento que o governo federal disponibiliza é o Glivec, cuja caixa de 400mg, com 30 comprimidos, custa mais de R$ 10 mil.
O professor de química orgânica da UFSJ Gustavo Henrique Ribeiro Viana deu os primeiros passos para a descoberta da teoneladina C. Ele conta que o estudo teve início há três anos, sendo fruto de uma parceria com a Fundação Ezequiel Dias (Funed) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por enquanto, a substância foi testada apenas em células produzidas em laboratório, mas os resultados são animadores: ela inibiu o crescimento das células cancerígenas em até 80% e, em alguns casos, causou a morte de todas elas. "Tudo começou com minha tese de doutorado, quando iniciei a síntese de substâncias vindas das esponjas marinhas. Com certeza, o resultado foi além do esperado, e estamos com uma expectativa muito boa para a segunda etapa da pesquisa, que começará no próximo semestre", diz.
Morte programada
Viana explica que a teoneladina C consegue matar a célula doente por meio da apoptose, conhecida como "morte celular programada", ou seja, um tipo de autodestruição celular que ocorre de forma ordenada e demanda energia para sua execução. Por meio dela, o organismo multicelular remove células desnecessárias, auxiliando na manutenção do tamanho e da forma dos tecidos e órgãos adultos e em desenvolvimento.
Os próximos passos do estudo são identificar como a substância consegue causar essa apoptose e iniciar os testes em animais. "Obtivemos muito sucesso nas células produzidas em laboratório, mas ainda há um caminho longo pela frente. Precisamos, por exemplo, saber como essa substância age em um ser vivo, se a resposta continuará positiva", explica.
Os cálculos para saber quanto custará a nova droga ainda não foram feitos. No entanto, Viana garante que o preço será muito inferior ao dos medicamentos encontrados hoje no mercado. Isso porque a síntese usada para chegar aos compostos é considerada simples e não necessita de muitos recursos tecnológicos. "Já existem outros estudos semelhantes com esponjas marinhas. A biodiversidade dessas substâncias vem sendo estudada desde 1990. A diferença do nosso estudo é que estamos propondo uma síntese mais simples, que pode ser reproduzida em laboratório tranquilamente. Isso será revertido no valor do medicamento", acrescenta.
Melanoma e cólon
Por enquanto, a substância foi testada em tumores de melanoma e câncer de cólon. Segundo o professor de bioquímica da UFSJ e também responsável pela pesquisa, Fernando Varotti, a expectativa é validar a descoberta em outros tipos de câncer, como o de mama. Ele explica que a teoneladina C ainda se mostrou eficiente contra a malária. "Para malária, das oito moléculas que conseguimos sintetizar, sete foram ativas. Mas o resultado mais promissor foi com as células tumorais, onde todos os compostos se mostraram ativos", revela Varotti, ressaltando que, na primeira fase da pesquisa, foram gastos cerca de R$ 300 mil. O recurso vem do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Segundo o pesquisador, a maior exigência da pesquisa não são recursos tecnológicos, mas mão de obra qualificada. "Hoje, só no laboratório da UFSJ, temos 20 estudantes de pós-graduação e graduação nos ajudando nessa pesquisa. São profissionais como bioquímicos, farmacêuticos, médicos e enfermeiros", comenta.