HIV: Tratamento precoce pode
ter promovido a cura funcional em recém-nascido
VEJA - 04/03/2013
Nos EUA, bebê infectado pelo
vírus da aids passou a receber um coquetel de antirretrovirais apenas 30 horas
depois de nascer. Para médicos, isso possibilitou a redução dos níveis do HIV e
impediu que o vírus fosse reativado.
Neste domingo, médicos
americanos anunciaram que, pela primeira vez, conseguiram promover uma cura funcional em um bebê recém-nascido
infectado pelo vírus causador da aids. Segundo os especialistas, a criança,
hoje com dois anos e meio de idade, não apresenta mais quantidades
significativas do HIV em seu sangue e exames convencionais já não conseguem
mais detectar a presença do vírus em seu organismo mesmo um ano após ela deixar
de receber tratamento contra a infecção. Para os pesquisadores envolvidos no
caso, o que tornou isso possível foi o fato de os antirretrovirais em doses
terapêuticas terem sido dados ao bebê muito precocemente — apenas 30 horas
depois de seu nascimento.
O caso foi conduzido por um
time de pesquisadores do Centro Infantil da Universidade Johns Hopkins, do
Centro Médico da Universidade de Mississipi e da Faculdade de Medicina da
Universidade de Massachusetts. Segundo informaram os especialistas, o bebê
nasceu com um alto risco de infecção pelo HIV pois a sua mãe, que apresentava o
vírus, não recebeu tratamento adequado. Normalmente, crianças que nascem com
esse risco recebem durante seis semanas um antirretroviral ou, dependendo do
caso, uma combinação de dois desses medicamentos. São doses profiláticas com a
finalidade de evitar uma infecção. Somente depois de elas receberam o
diagnóstico da infecção — que é feito quando ela completa um mês de vida e é
confirmado aos quatro meses — é que elas passam a receber doses terapêuticas do
medicamento, que é a combinação de três antirretrovirais (o chamado coquetel).
No caso anunciado neste
domingo, o que os médicos fizeram foi tratar o bebê diretamente com a dose
terapêutica de antirretrovirais. O bebê, nascido na área rural do Mississippi,
passou a ser tratado com um coquetel 30 horas depois do nascimento e seguiu com
o tratamento ao longo de seus 18 primeiros meses. Nos dez meses seguintes, a
criança ficou sem tratamento, que foi suspenso pela sua mãe. De acordo com os
pesquisadores, exames feitos depois disso não detectaram quantidades
significativas de vírus no corpo da criança. Assim, para os médicos, não há
dúvida de que a criança experimentou uma "cura funcional" — ou seja,
quando o paciente consegue obter e manter uma remissão do vírus HIV a longo
prazo sem precisar tomar remédios.
Motivo — Para os
cientistas envolvidos no estudo, o uso imediato do coquetel promoveu a cura
funcional pois impediu a formação de reservatórios virais, que são células
dormentes responsáveis por reativar a infecção algumas semanas após o paciente
interromper o tratamento. "A terapia antiviral imediata em recém-nascidos
pode ajudar uma criança a eliminar o vírus e alcançar a remissão sem a
necessidade de um tratamento a longo prazo ao prevenir que esses 'esconderijos
virais' se formem", disse, em nota, a médica Deborah Persaud, professora
associada do Centro Infantil Johns Hopkins e coordenadora da pesquisa.
Em nota oficial divulgada
pela Universidade Johns Hopkins, os autores dessa pesquisa afirmam que ainda
não é possível alterar a forma como recém-nascidos com alto risco de infecção
pelo HIV são tratados. Eles acreditam que mais testes são necessários para
verificar se o tratamento teria o mesmo efeito em outras crianças. Mesmo assim,
os pesquisadores acreditam que esse caso pode mudar a forma como recém-nascidos
recebem tratamento e também pode reduzir o número de crianças que vivem com o
vírus HIV.
Confirmação — Especialistas
que não tiveram acesso aos detalhes da pesquisa dizem que ainda é preciso saber
se o bebê realmente havia sido infectado pela mãe. Caso contrário, seria uma
situação de prevenção, o que já foi feito em bebês nascidos de mães infectadas.
Os médicos que acompanharam o caso afirmam que foram feitos cinco testes
positivos no primeiro mês de vida do bebê, o que provaria que o recém-nascido
estava infectado.
Em entrevista ao site
americano HIVandHepatites.com, a pesquisadora Deborah Persaud afirmou que a
conclusão de que a criança não apresentava mais níveis significativos de HIV
foi tirada a partir de uma série de exames laboratoriais. "Depois de a
criança voltar ao nosso hospital e de nós sermos informados de que seu
tratamento foi descontinuado, realizamos um teste para saber qual era a
situação do vírus em seu sangue. Foi aí que vimos que o exame comum de
anticorpos deu negativo. Outros testes, inclusive um de DNA, mostraram a mesma
coisa", disse.
De acordo com Persaud, sua
equipe ainda realizou outros exames para saber se, por exemplo, essa criança
carregava algum fator genético que a protegesse da infecção pelo vírus HIV ou a
tornasse resistente, o que não foi o caso. "Eu acho que temos evidências
suficientes de que essa criança tinha um vírus consistente em seu sangue pelo
menos nos seus primeiros 19 dias de vida", afirmou a pesquisadora.
Para Marinella Della Negra,
infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e especialista em aids
em crianças, até que todos os detalhes científicos desse caso sejam revelados,
não é possível tirar grandes conclusões. "A criança parece não apresentar
quantidades significativas de vírus no sangue. Mas isso não quer dizer que ela
não tenha mais nenhum vírus. O HIV não ter sido detectado pelos exames normais
não significa nada. Não é possível, então, afirmar que a criança não
transmitirá o vírus HIV durante a vida adulta, mas também não podemos dizer que
ela poderá transmitir."
As Nações Unidas estimam que
330.000 bebês foram infectados em 2011 e que mais de 3 milhões de crianças no
mundo todo vivem com a o vírus da aids.
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