No rastro do câncer hereditário
Correio Braziliense, 08-06-2011
Simone Lima
Simone Lima
Projeto pioneiro, desenvolvido no centro-oeste de Minas Gerais, com apoio do Instituto Nacional do Câncer, usa sequenciador genético para diagnosticar problemas em famílias que têm histórico da doença.
Belo Horizonte — Há cerca de cinco anos, o aposentado Renato de Freitas Carvalho, 51 anos, descobriu que tinha câncer colorretal. Assim que recebeu o resultado dos exames, lembrou que alguns tios e a própria avó haviam morrido da doença. Pouco tempo depois, quatro dos oito irmãos tiveram o mesmo diagnóstico. A regularidade com que os sintomas eram encontrados fez com que a família fosse incluída em um projeto pioneiro desenvolvido pela Associação de Combate ao Câncer do Centro-Oeste de Minas Gerais (Acccom). O objetivo é estudar formas de controle do câncer hereditário, priorizando o diagnóstico precoce e alertando para os cuidados com a saúde.
A iniciativa, que existe desde 2008, ganhou um “novo gás” graças a uma parceria firmada com a Universidade Federal São João Del-Rei (UFSJ), câmpus de Divinópolis, que garantirá ao estudo um número maior de profissionais e tecnologia avançada. A compra de um sequenciador genético será o próximo passo do estudo. A verba que será destinada ao aparelho já foi liberada, mas ainda não há previsão de quando o equipamento estará disponível aos pesquisadores.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os casos da doença que podem ser relacionados ao DNA não ultrapassam 15% em todo o país. O número não é considerado alto, mas existem alguns fatores genéticos que tornam determinadas pessoas mais sensíveis e propensas a desenvolver alguma mutação. Foi pensando nessa possibilidade que a Acccom — que tem sede em Divinópolis, distante 120km de Belo Horizonte — passou a acompanhar famílias que apresentavam casos de um mesmo tipo de câncer em várias gerações, principalmente em indivíduos jovens.
Ao todo, aproximadamente 250 pessoas de 15 famílias participam do projeto. A meta dos idealizadores é ampliar a iniciativa, agregando mais tecnologia ao processo de identificação dos pacientes. Um passo importante foi a parceria firmada entre a associação e a UFSJ, que tornou possível a liberação de R$ 300 mil, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O recurso, que já está disponível, será usado na compra de um sequenciador genético. O equipamento faz a identificação detalhada e segura do código genético.
Para Renato Carvalho, a notícia veio em boa hora. Sua filha mais velha, com 21 anos, também foi diagnosticada com o câncer colorretal e agora ele se preocupa com a saúde dos netos. “Se é que vou ter netos. Meus filhos ficaram com medo de dar continuidade à família. Minha filha mesmo diz que nunca vai querer filhos. Ela conseguiu descobrir a doença cedo, justamente por causa do projeto”, conta. “Essa iniciativa pode salvar a minha família e a de outros pacientes também.”
O projeto conta com o apoio do Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) e do Inca. De acordo com a professora doutora em genética humana e coordenadora doprojeto, Luciana Lara dos Santos, o sequenciador será o último passo para detectar uma possível propensão genética. Antes, é preciso passar por outras etapas. Inicialmente, a pessoa que chega à Acccom informando que há muitos casos de um mesmo tipo de câncer na família, passa por uma entrevista, na qual precisa fornecer o máximo de informações possível sobre a incidência da doença.
Propensão
Em seguida, por meio de uma técnica chamada PCR em tempo real, é feito o diagnóstico dos pacientes. Esse exame é feito com a coleta de sangue e permite aumentar a sensibilidade dos testes laboratoriais em mais de mil vezes, levando a um grau de precisão antes impossível de detectar no diagnóstico e no prognóstico dos campos de microbiologia, oncologia, imunologia, hematologia e genética. Aqueles que apresentam resultado positivo passam para uma outra etapa, onde são detalhadas as regiões alteradas — áreas do organismo onde há maior probabilidade de se desenvolver um tumor. “Ainda assim, podem haver resultados inconclusos. Se isso ocorrer, é feita uma análise por meio de um teste, o MLPA, que detecta anormalidades cromossômicas”, explica.
É nessa etapa que o sequenciador entra. Até então, se fosse identificada a possibilidade do câncer hereditário, todos os membros daquela família eram tidos com possíveis pacientes da doença. Não havia como identificar quais indivíduos tinham a propensão e quais não. Com o aparelho, será possível saber exatamente quem naquela família poderá sofrer algum tipo de mutação nas células.
Isso ocorre porque, ao colocar o material colhido no sequenciador, ele irá fazer uma análise detalhada das áreas que já foram diagnosticadas e haviam apresentado alguma anormalidade. O resultado revelará se existe a possibilidade de aquela pessoa desenvolver a doença. “O projeto é piloto para, no futuro, ser criado um centro de referência para controle de câncer hereditário, tanto da parte clínica quanto molecular. O projeto deverá ser realizado em três anos”, diz Santos.
Triagem
Para a oncologista do Hospital do Câncer Angélica Nogueira, que está no projeto desde o início, a aquisição do sequenciador é um passo a mais para a iniciativa e os maiores beneficiados serão os pacientes e seus familiares. “A primeira etapa desse projeto é na Acccom, quando é feita a triagem. Nessa fase, a pessoa precisa fornecer o máximo de dados familiares. Esse é um projeto totalmente voltado para a prevenção, para que seja feito um diagnóstico precoce e que haja maior chance de cura.”
Hoje, pelo menos 10 mil pacientes são assistidos pela Acccom. Os principais tipos de câncer registrados na região, segundo a instituição, são de próstata, mama, intestino, pulmão e colo uterino. Segundo dados do Inca, em 2010, foram registrados quase 500 mil novos casos de câncer no país — os tipos mais comuns da doença são o de pele não melanoma, próstata e mama feminina. O instituto revela ainda que, nos homens, o câncer de próstata é o mais comum de norte a sul do Brasil. O segundo tipo mais frequente é o de pulmão, seguido de cólon e reto, estômago, cavidade oral, esôfago, leucemias e pele melanoma.
Entre as mulheres, os cânceres mais incidentes em todo o Brasil são mama, colo de útero, cólon e reto, pulmão, estômago, leucemias, cavidade oral, pele melanoma e esôfago.
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