quarta-feira, 8 de junho de 2011

NOTÍCIA: VACINA CONTRA MALÁRIA E LEISHMANIOSE

Malária pode ter vacina com ajuda de sapos

Diário da Amazônia, 06-06-2011
 
Usada como remédio em rituais de purificação por pelo menos nove tribos indígenas da Amazônia desde antes da chegada dos europeus em terras brasileiras, a secreção extraída de sapos e pererecas se transformou em objeto de pesquisa num dos principais projetos mantidos pelo Centro de Estudos de Biomoléculas Aplicadas à Medicina, na Universidade Federal de Rondônia. Conhecida como vacina do sapo, o medicamento, para os índios, espantava o espírito negativo que causava doenças e também combatia a má sorte na pesca e na caça, segundo a sabedoria indígena. Aplicado à ciência médica, esse conhecimento poderá ser usado no combate a doenças como a leishmaniose e doenças infecciosas. Mais que isso, a pesquisa, liderada na Unir pelo professor Leonardo Calderon, pode chegar à tão sonhada vacina contra a malária.

Um artigo a esse respeito escrito pela esquipe do professor Calderon e publicado numa revista científica da Áustria foi considerado como um dos 20 mais significativos estudos sobre o uso da secreção de anuros no combate a doenças.

Diário da Amazônia - Os estudos que vem sendo feitos com os anuros aqui em Porto Velho já resultaram em substâncias que possam ser usadas em tratamentos de doenças infecciosas? Isso pode resultar em medicamentos disponíveis para qualquer pessoa, no futuro?

Leonardo Calderon - Para nossa felicidade, sim. Os anuros, que são as rãs, sapos e pererecas, são um verdadeiro boticário de moléculas com grande potencial para o desenvolvimento de fármacos aplicáveis em diversos tipos de terapias. Em 2008, com muito esforço e apoio do CNPq, Finep, Unir, Ipepatro e Fiocruz, e a emissão das autorizações emitidas pelo Ibama e CGEN, implantamos o Banco de Venenos da Amazônia na Universidade Federal de Rondônia. Atualmente o banco possui venenos de diversas espécies amazônicas armazenadas a 86 graus negativos em ultrafreezers. A partir destas amostras, estamos isolando várias moléculas com atividade antimicrobiana. Estamos obtendo resultados surpreendentes contra os parasitas responsáveis pela leishmaniose e a malária, nossos alvos principais. As moléculas e frações semi-purificadas obtidas dos anuros da Amazônia estão apresentando atividade 10 a 50 vezes superiores ao publicado por outros grupos com amostras de outros biomas do Brasil e de outras regiões do globo.
Nossos resultados indicam que estas moléculas possuem potencial para o desenvolvimento de protótipos de novos medicamentos para malária e leishmaniose. Obviamente, isto demandará de bastante tempo, o desenvolvimento de um novo fármaco deve obedecer a uma série de etapas, que demandam aproximadamente 10 anos, na melhor das hipóteses, para que um produto útil seja alcançado.

Diário - Pode ocorrer de se descobrir uma vacina para a malária a partir dessas experiências, por exemplo?

Leonardo - Uma vacina pressupõe que o próprio organismo será capaz de combater a infecção. No nosso caso, desejamos desenvolver um novo fármaco que possa ser utilizado em uma terapia mais eficiente contra malária e leishmaniose, uma terapia mais eficiente e rápida, onde não se tenha problemas de abandono da terapia e perda da qualidade de vida.

Diário - Sua equipe pretende também aplicar testes em seres humanos?

Leonardo - Nossa equipe não está habilitada para testar protótipos de novas drogas em humanos, além disto, nossas moléculas devem completar a fase de descoberta, que exige várias caracterizações de atividade e toxicidade. Assim que nossos primeiros protótipos estiverem suficientemente validados e certificados, poderemos iniciar em colaboração com parceiros experientes, como a Fiocruz, os primeiros testes clínicos.

Diário - Quais as principais dificuldades encontradas no dia a dia do laboratório? (equipamentos, verbas, pessoal especializado).

Leonardo - Todas as dificuldades que enfrentamos são inerentes ao tamanho do nosso desafio. Mas antes das dificuldades, precisamos enumerar as facilidades de que dispomos. Em Porto Velho, temos acesso incomparável à biodiversidade amazônica, principalmente sua região mais biodiversamente rica em espécies de anuros em todo planeta, que compreende a região da Amazônia Sul Ocidental. Dispomos de vasto apoio institucional da Universidade Federal de Rondônia (Unir), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Rondônia), do Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais de Rondônia (Ipepatro), e da Secretaria de Desenvolvimento do Estado de Rondônia, alem do apoio científico de pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cebargen), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), alem da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Bionorte) e do Instituto Nacional para Pesquisa Translacional em Saúde e Ambiente na Região Amazônica (INCT-INPeTAm). O CEBio possui uma excelente plataforma de purificação e processamento de amostras, alem equipamentos que agregam novas tecnologias, como espectrometria de massa e ressonância plasmônica de superfície, que permite que vários estudantes desenvolvam seus projetos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado em nosso laboratório. Graças ao apoio do CNPq, Finep, Ipepatro e Fiocruz Rondônia não faltam equipamentos e material de consumo. No entanto, a deficiente infraestrutura de rede elétrica do Estado, prejudicou diversas vezes as atividades do laboratório, devido ao sistemático dano causado nos aparelhos, alem da perda de amostras biológicas preciosas por degradação. Na primeira edição do Banco de Venenos, chegamos a possuir amostras de aproximadamente 40 espécies de anuros, no entanto, em vista das quedas de energia, a maioria das amostras sofreu degradação. Outra dificuldade é o custo de vida em Porto Velho, o que torna difícil atrair doutores recém formados para usufruir de bolsa em projeto de pós-doutoramento no CEBio.

Diário - Por que é tão difícil se aproveitar o conhecimento dos índios sobre essas espécies, já que algumas tribos antigas já utilizavam as pererecas bicolor em algumas experiências?

Leonardo - Posso dizer que não é só difícil, é virtualmente inviável. Todos os entraves burocráticos e questões de repartição de benefícios tornam a execução de projetos por parte de instituições acadêmicas e públicas impraticáveis. A legislação sobre o assunto foi baseada em expectativas fantasiosas a respeito de lucros e riquezas a serem geradas por patentes a serem produzidas com o conhecimento indígena. Cabe saber que uma patente não gera riqueza, apenas restringe direitos de uso ao pesquisador ou instituição que a produziu por um prazo de tempo, a partir daí, ela se torna propriedade pública, e qualquer empresa pode produzir. Na verdade, o que gera riqueza é o produto, a pesquisa deve chegar ao produto, e este produto deve ter mercado para que possíveis bônus possam ser obtidos e distribuídos perante as partes. No entanto, a cobrança por parte de ambientalistas e ONGs de que durante as diferentes fases do processo, o pesquisador funcionário público deve transferir benefícios aos indígenas (potencialmente todas as comunidades que reclamarem detentoras do conhecimento), torna inviável a execução de qualquer iniciativa acadêmica, que se entende aquela desenvolvida na Universidade, com participação de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado. Também há constante risco de ser acusado de biopirataria, o que pode levar o pesquisador ou docente da Universidade ser indiciado criminalmente e perder o emprego. Desta forma, não vale a pena desenvolver nenhuma iniciativa em parceria com comunidades indígenas. A “satanização” da ciência promovida por ONGs junto a comunidades tradicionais e comunidades indígenas gerou enormes dificuldades para o desenvolvimento de novos fármacos.

Diário - Qual foi a repercussão dentro e fora do Brasil do seu artigo publicado a esse respeito?

Leonardo - Quando propomos a criação do Banco de Venenos da Amazônia aos diversos parceiros institucionais e procedemos a busca por recursos junto as agencias de fomento, desenvolvemos um estudo de viabilidade para embasarmos nossa iniciativa. Este trabalho foi publicado em janeiro de 2011, na Áustria. Para nossa surpresa, a BioMedLib, que avalia os acessos a base de dados da Biblioteca Nacional de Medicina, com mais de 20 milhões de citações depositadas para literatura biomédica e da vida, nos informou que o artigo está entre os 10 mais lidos em sua área de domínio do conhecimento, figurando entre as mais importantes e influentes publicações da área. Isto mostra que estamos no caminho certo, que na Universidade Federal de Rondônia e na Fiocruz Rondônia estamos produzindo ciência de qualidade que desperta interesse da comunidade científica.

Diário - Qual o risco que você e sua equipe correm ao lidar diariamente com animais e substâncias venenosas?

Leonardo - Ao manipularmos venenos, temos de tomar todos os cuidados para evitar contato das amostras com a pele, olhos e mucosas, por isto nossos estudantes fazem uso de equipamentos de proteção individual, e são orientados a seguir determinados protocolos para evitar intoxicação, em geral, os mesmos procedimentos utilizados em laboratórios de química e biologia. Eu não recomendaria esta linha de pesquisa para pessoas com histórico de alergias.

Diário - O trabalho desenvolvido na Unir com os anuros esta perto de alcançar êxito, como alguma descoberta de medicamento realmente significativo?

Leonardo - Nós estamos caracterizando moléculas com atividade relevante, altamente potentes, e estamos iniciando a avaliação da toxicidade com parceiros. Se estas moléculas forem validadas nos testes de toxicidade, teremos os nossos primeiros protótipos para os testes com animais e quem sabe no futuro, iniciarmos testes clínicos com parceiros até o desenvolvimento final de um novo fármaco iniciado em Rondônia.

Diário – A Amazônia é mesmo fonte inesgotável de espécies que contribuem com estas pesquisas?

Leonardo - Segundo vários cientistas, estamos vivendo atualmente a sexta grande extinção em massa, onde neste processo, os anuros estão sendo potencialmente prejudicados. As alterações climáticas globais e outras alterações ambientais provocadas no planeta pela atividade humana estão gerando o desaparecimento de espécies em regiões altamente preservadas, com várias espécies de anuros já extintas e um terço das espécies existentes estão ameaçadas de extinção. Estamos nos dirigindo para uma situação potencialmente perigosa, pois a associação entre a diminuição do numero de novos antibióticos desenvolvidos pela indústria farmacêutica a partir da biodiversidade, a redução do número de espécies com potencial para o desenvolvimento de novos antimicrobianos pelo atual processo de extinção em massa devido as alterações globais e o crescente número de microorganismos patogênicos super resistentes aos antimicrobianos que tem provocado várias mortes por infecções incontroláveis geram uma situação que acredita-se insustentável no futuro próximo.

SAIBA MAIS SOBRE:

- MALÁRIA

A malária é uma doença infecciosa febril aguda cujo agente etiológico é um parasito do gênero Plasmodium. A transmissão natural da malária ocorre por meio da picada da fêmea infectada do mosquito do gênero Anopheles, que se infecta ao sugar o sangue de um doente.
Malária humana é uma doença, que se não for tratada, poderá evoluir rapidamente para a forma grave e complicada.
Essa doença também é conhecida como impaludismo, paludismo, febre palustre, febre intermitente, febre terçã benigna, febre terçã maligna, além de nomes populares como maleita, sezão, tremedeira, batedeira ou febre.

- LEISHMANIOSE

Doença infecciosa, porém, não contagiosa, causada por parasitas do gênero Leishmania. A leishmaniose é transmitida por insetos hematófagos (que se alimentam de sangue) conhecidos como flebótomos ou flebotomíneos (mosquitos, por exemplo).

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