Agência FAPESP, 20-03-2012 Karina Toledo
Pesquisa feita na Universidade de São Paulo
(USP) avaliou 139 mulheres afetadas pelo câncer de mama e observou que, pelo
menos um ano após o diagnóstico, quase metade mantinha vida sexual ativa. O
estudo também apontou que os profissionais de saúde não estão preparados para
orientar essas pacientes sobre questões ligadas à sexualidade.
A coleta de dados foi feita entre usuárias do
Núcleo de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação de Mastectomizadas
(Rema) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP). A média de idade
das participantes foi de 54,6 anos – sendo que a mais nova tinha 24 anos e a
mais velha, 78.
Além da pesquisa quantitativa, foram feitos
outros dois estudos qualitativos. Um deles avaliou em profundidade 25 pacientes
do Rema. O outro ouviu 32 enfermeiras que lidam com pacientes nessa situação.
Os resultados integram o projeto "Sexualidade e Câncer de Mama", financiado pela
FAPESP e coordenado pela professora Elisabeth Meloni Vieira, da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
Segundo Vieira, 56,8% das pacientes que
participaram da pesquisa quantitativa afirmaram ter tido ao menos um parceiro
sexual no último ano e 48,9% disseram ter feito sexo no último mês. “Essas
mulheres têm, em média, seis relações sexuais por mês, ou seja, têm uma vida
sexual ativa”, disse.
Ainda segundo a pesquisa, 33,8% das pacientes
fizeram sexo na última semana, 5% disseram que a última relação ocorreu entre
um e seis meses, 3% afirmaram que foi entre seis meses e um ano e, 38,8%, há
mais de um ano.
“Os dados quantitativos ainda estão sendo
analisados, mas nossa hipótese é que a idade e a situação marital são fatores
que pesam mais do que o próprio câncer no caso das pacientes sem relação sexual
há mais de um ano. Muitas ficaram viúvas, por exemplo”, disse Vieira.
As entrevistas qualitativas realizadas com as
25 usuárias do Rema revelaram a existência de três situações distintas. Há
aquelas que tiveram a vida sexual prejudicada pelas alterações corporais e
psicológicas trazidas pela doença, há aquelas que relatam não ter sentido
diferença e há também as que afirmam que a vida sexual melhorou após o câncer.
“Essas últimas disseram que o medo da morte
fez com que o relacionamento com o parceiro melhorasse e isso teve impacto na
vida sexual. Existe a ideia de que pacientes com câncer ficam deprimidos, não
saem de casa e não fazem sexo. Isso não é verdade”, disse Vieira.
A doença, porém, costuma trazer complicações.
“Muitas pacientes entram em menopausa precoce por causa da terapia com
hormônios usada no combate ao tumor. Isso tem consequências como diminuição da
libido e secura vaginal”, disse.
Além disso, muitas têm dificuldade para lidar
com a perda da mama ou de parte dela, com a calvície temporária provocada pela
quimioterapia e com o inchaço nos braços causado pela retirada de gânglios
linfáticos das axilas.
“Essas mulheres precisam conversar sobre isso
com alguém. Querem saber se podem ter relação sexual, quando e como. Os profissionais
de saúde precisam estar preparados”, afirmou Vieira.
Cooperação com grupo francês
A pesquisa qualitativa feita com as
enfermeiras, da qual participaram todas as profissionais que atuam na área oncológica
em Ribeirão Preto, indicou que a maioria evita tratar do tema.
“Não falam e não deixam a paciente perguntar.
Primeiro porque nunca foram orientadas para isso, então se sentem inseguras.
Depois, existe a ideia preconcebida de que doente não faz sexo, por isso
consideram o assunto desnecessário. E também tem a questão da vergonha”, disse
Vieira.
Para a pesquisadora, é fundamental que os
cursos de especialização em enfermagem oncológica incluam o tema da sexualidade
nos currículos. “Às vezes a paciente precisa simplesmente de um lubrificante
vaginal e a enfermeira não sugere”, disse.
A pesquisa vem sendo realizada em cooperação
com o Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm), da
França, sob coordenação do professor Alain Giami. Os pesquisadores pretendem,
no futuro, comparar os resultados dos dois países para identificar semelhanças
e diferenças na construção das representações sociais acerca da sexualidade no
cuidado às mulheres com câncer de mama.
“Os resultados da pesquisa com enfermeiras na
França foram muito parecidos com os do Brasil. Mas já notamos que a questão da
imagem corporal tem um peso muito maior para as mulheres brasileiras, que estão
o ano todo com o corpo à mostra”, disse Vieira.
O câncer de mama é o mais comum entre as
mulheres, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano. A estimativa do
Instituto Nacional do Câncer (Inca) para 2012 é que 52,6 mil pessoas sejam
afetadas.
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