Vacina
contra a febre reumática será testada em humanos
Por Karina Toledo, Agência
FAPESP - 20/05/2013.
Uma vacina contra a febre reumática – doença inflamatória que acomete pessoas
geneticamente suscetíveis após uma infecção bacteriana – deve começar a
ser testada em seres humanos ainda este ano por pesquisadores do Instituto
do Coração (InCor), da Universidade de São Paulo (USP).
Experimentos feitos em
roedores e em pequenos porcos sugerem que o
imunizante é seguro e tem capacidade de induzir uma resposta imunológica
específica contra a bactéria Streptococcus pyogenes.
Na maioria dos infectados, esse patógeno causa apenas dor de garganta.
Em crianças predispostas, porém, o contato com a S. pyogenes pode
desencadear um quadro autoimune. Na tentativa de se defender da bactéria, o sistema imunológico começa a atacar
tecidos do próprio organismo – o coração é o principal alvo.
“Isso acontece porque partes
da bactéria têm sequências de aminoácidos e a conformação de algumas proteínas
muito parecidas com as existentes nas válvulas cardíacas”, explicou Luiza
Guilherme, pesquisadora do InCor e coordenadora da pesquisa.
A doença também pode causar um quadro de dor nas
articulações conhecido como poliartrite, que costuma melhorar com o tempo.
Mas as lesões nas válvulas cardíacas são
progressivas e permanentes – levando, cedo ou tarde, à necessidade de
cirurgia corretiva.
“Quando o paciente é operado
pela primeira vez ainda criança, a chance de precisar passar por várias
cirurgias ao longo da vida é grande. Por isso a febre reumática é uma das
doenças com tratamento mais caro no Brasil e no mundo”, afirmou Guilherme.
Estima-se que apenas 3% ou
4% das pessoas sejam suscetíveis a desenvolver doença autoimune após a infecção
pela S. pyogenes. Ainda assim, o custo do tratamento da febre reumática
para o Sistema Único de Saúde (SUS) fica atrás apenas do gasto com a Aids. Em
2007, segundo a pesquisadora, foram US$ 30 milhões para custear o tratamento
clínico da doença e outros US$ 60 milhões para cirurgias cardíacas. O
Ministério da Saúde não tem levantamento mais recente.
No InCor, onde são atendidos
cerca de 600 pacientes com a doença reumática cardíaca por mês, 2 mil pessoas
estão na fila para fazer a cirurgia valvular. Quase 40% dos operados são
crianças.
Fragmento
mínimo
A busca por um antígeno da
bactéria capaz de induzir uma resposta imunológica protetora começou no ano
2000, com apoio do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria
para Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP. Atualmente, a pesquisa é realizada
no âmbito do Instituto de
Investigação em Imunologia, um dos Institutos Nacionais de Ciência e
Tecnologia (INCTs) instalados em São Paulo e apoiados pela FAPESP e pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“O primeiro passo foi
definir o epitopo, ou seja, o fragmento mínimo da bactéria capaz de induzir uma
resposta imunológica. Para isso, analisamos o soro de indivíduos normais, que
tiveram contato com a bactéria e não desenvolveram a doença autoimune. A ideia
era descobrir com qual parte da bactéria o organismo reagia”, contou Guilherme.
Dentro da chamada proteína M
– molécula secretada pela parede externa da bactéria – os cientistas
identificaram um grupo de 55 resíduos de aminoácidos capazes de serem
reconhecidos pelos anticorpos e linfócitos do sistema imunológico humano.
“A proteína M tem uma região
‘A’ que está em constante mutação. Os resíduos de aminoácidos vão se alterando
e dando origem a novas cepas de bactérias. Tem também uma região ‘B”, que é a
que desencadeia o quadro autoimune. Mas há ainda as regiões ‘C’ e ‘D’, que são
iguais em praticamente todas as cepas e não causam a doença. Nós identificamos
a sequência de aminoácidos da vacina na região ‘C’”, contou a pesquisadora.
Uma versão sintética da
sequência de aminoácidos foi produzida em laboratório e injetada em diversos
modelos de estudo com camundongos. Um dos experimentos foi feito com uma
linhagem transgênica de roedores que expressavam moléculas humanas do sistema
HLA de classe 2 (antígeno leucocitário humano, na sigla em inglês) –
diretamente envolvidas com a identificação de antígenos e desenvolvimento da
resposta imunológica.
“A ideia era mimetizar a suscetibilidade genética ao quadro autoimune
presente em certos pacientes humanos e avaliar a segurança da vacina.
Acompanhamos os animais durante um ano e observamos que o imunizante não
induziu nenhum tipo de lesão ou alteração nos órgãos”, contou Guilherme.
Para testar a capacidade de
proteção da vacina, os cientistas submeteram os camundongos a um desafio
imunológico. “Os animais foram infectados com quantidades enormes da bactéria,
suficientes para induzir um abscesso peritoneal. O grupo imunizado apresentou
sobrevida de 80% após um mês, os demais morreram no dia seguinte”, contou a
pesquisadora.
Testes posteriores com os
roedores indicaram que a vacina induziu a produção de grandes quantidades de
anticorpos específicos contra a S. pyogenes. Os resultados foram
divulgados em um artigo publicado na revista Vaccine.
Também foram realizados
experimentos em pequenos porcos de aproximadamente 25 kg – peso semelhante ao
de uma criança. Os animais foram acompanhados por um ano, apresentaram altos
títulos de anticorpos e nenhuma reação deletéria.
“Com esses resultados em
mãos, estamos prontos para iniciar estudos de fase 1 em humanos. Apenas
aguardamos a liberação do financiamento pré-aprovado pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)”, contou Guilherme.
No
primeiro momento, serão vacinados apenas indivíduos adultos saudáveis (voluntários).
O objetivo é verificar se o imunizante consegue induzir a produção de
anticorpos específicos. “Os voluntários
serão acompanhados por cardiologistas, imunologistas e infectologistas e,
paralelamente, faremos o controle de autoimunidade. Caso os resultados sejam
promissores, poderemos partir para testes em crianças e com um maior número de
voluntários”, afirmou a pesquisadora.
O artigo HLA
class II transgenic mice develop a safe and long lasting immune response
against StreptInCor, an anti-group A streptococcus vaccine candidate (doi:
10.1016/j.vaccine.2011.08.113) pode ser lido em: www.sciencedirect.com/
science/article/pii/S0264410X11013909
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