Célula-tronco recupera tecido de coração infartadoÁrea lesionada foi reduzida em mais da metade com novo tratamento
O Globo, 15-02-2012.
Pesquisadores americanos deram um passo considerado promissor para o tratamento de infartados. Usando células-tronco retiradas do coração do próprio paciente, cientistas conseguiram diminuir pela metade a área lesionada, onde se formam cicatrizes. Os cientistas anunciaram, ainda, que foi possível regenerar o tecido original. O trabalho foi publicado ontem na revista médica “Lancet”.
Realizada pelo Instituto do Coração Cedars-Sinai, a pesquisa mobilizou 25 pacientes. Antes do tratamento, eles tinham cicatrizes (tecido lesionado, sem circulação sanguínea) no coração que representavam, em média, 24% do ventrículo esquerdo, caindo para 16% após seis meses de tratamento e 12% depois de um ano.
Tratamento pode começar em 2016
Mesmo estando em fase de testes de segurança, os resultados foram considerados animadores. Será necessário realizar novos experimentos, que comprovem a eficácia da terapia. Diretor do Instituto do Coração Cedars-Sinai e um dos pesquisadores envolvidos no trabalho, Eduardo Marban está otimista. Ele acredita que o tratamento poderá começar a ser feito em larga escala daqui a quatro anos.
— A capacidade de regenerar o tecido lesionado é (uma conquista) sem precedentes e potencialmente importante. Estamos muito entusiasmados com as perspectivas de generalizar este tipo de tratamento para pacientes ainda mais graves — afirmou Marban ao GLOBO por e-mail. — A partir deste ano, já vamos acompanhar, na fase 2, cerca de 200 pacientes com o objetivo de melhor avaliar tanto a segurança como a eficácia (do tratamento). Se tudo correr bem, um produto comercial deve estar disponível até 2016.
Durante um ataque cardíaco, parte do coração fica sem oxigênio, causando a morte do tecido muscular do coração, além do surgimento de cicatrizes. Isto provoca a redução da capacidade cardíaca. Cerca de um mês depois do infarto, os pesquisadores tiram amostras de células do coração que não foram afetadas. Este procedimento foi possível inserindo um tubo na veia do pescoço do paciente.
Em laboratório, os pesquisadores conseguiram isolar as células-tronco daquela amostra e multiplicar sua quantidade. Assim, os cientistas puderam injetar até 25 milhões de células-tronco no local afetado, circundando as artérias do coração. Foram elas as responsáveis pela diminuição das cicatrizes e regeneração do tecido cardíaco morto.
Apesar desta melhora nos tecidos do coração dos pacientes, não houve a recuperação da capacidade cardíaca dos pacientes.
— O objetivo principal do nosso estudo era verificar a segurança, mas também tivemos evidências de que o tratamento pode diminuir as cicatrizes e permitir a regeneração do tecido do coração perdido — disse Marban. — Isso nunca foi feito antes, apesar de uma década de tentativas de terapia celular em pacientes com ataques cardíacos. Agora, nós fizemos.
Para o coordenador de Ensino e Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia, Antônio Carlos Campos de Carvalho, que também é professor do Instituto de Biofísica da UFRJ, os primeiros resultados da pesquisa americana são animadores, mas ainda há a necessidade de realizar muitos testes e pesquisas.
— O ensaio é de segurança, não de eficácia. Então, os resultados são animadores, mas não é possível concluir que realmente haverá uma terapia sem que haja um ensaio mais robusto, com grupo de controle — explicou Campos de Carvalho. — Tenho dificuldade de saber como a cicatriz diminui; há formação de um músculo novo e, ainda assim, não há melhora da função do coração de bombear sangue para o corpo.
O Brasil também desenvolve pesquisas que usam células-tronco para tratar problemas cardíacos. Só Campos de Carvalho coordena nacionalmente quatro delas. Destas, uma já se mostrou sem eficácia. Outras duas, em andamento, devem apresentar resultados ainda em 2012:
— Estamos testando as células em modelos pré-clínicos, para, depois submeter aos protocolos dos órgãos de ética, tentar reproduzir as pesquisas em pessoas. No Brasil, buscamos isolar e caracterizar as células-tronco, estamos um pouco atrás dos americanos nesta área.
As características das células-tronco cardíacas ainda provocam um debate na literatura científica. Diferentes grupos de pesquisadores buscam isolá-las de regiões diferentes do coração. No Brasil, diz Campos de Carvalho, basicamente são usados pedaços do átrio retirados em cirurgias cardíacas para a colocação de aparelhos de circulação extracorpórea. Em vez de descartá-los, os pedaços são usados para isolar e multiplicar células-tronco cardíacas:
— Outros grupos buscam células-tronco de maneira distinta, mas o coração não tem toda essa capacidade de regeneração. (Entre os pesquisadores) alguém está certo, mas não todos.
Para o secretário municipal de Saúde do Rio, Hans Dohmann, que foi diretor do Instituto Nacional de Cardiologia, além de coordenador dos primeiros implantes do mundo de células-tronco tanto em coração como no cérebro, esta é uma tecnologia fundamental. O médico continua fazendo parte de um grupo de pesquisa com células-tronco ligado ao Ministério da Saúde.
— Estamos diante de uma tecnologia que tem potencial de recuperar tecidos. Esta característica traz um fato novo em termos de saúde coletiva. Pode melhorar a vida das pessoas e reduzir o custo do sistema público, que ficaria mais eficiente. O Brasil continua trabalhando forte na área. Como pesquisador e gestor, vimos com bons olhos os resultados (apresentados pelos americanos) — comemorou.
Atualmente, a pesquisa na qual Dohmann participa está em fase de testes. Os cientistas estão observando os resultados da aplicação de células-tronco da medula óssea na primeira semana após o infarto. Já são 143 pacientes, até hoje, participando dos trabalhos. O primeiro levantamento de resultados deve ser feito quando este número chegar a 150.
— É uma pesquisa que chamamos de duplo cego randomizado. Não sabemos quem recebeu as células-tronco e quem não recebeu — relatou Dohmann. — Temos dados anteriores, quando ainda estávamos na fase 1 e trabalhamos com 30 pacientes. Na ocasião, pudemos observar a redução da área de infarto e a melhora na qualidade de vida. No nosso caso, constatamos a melhora da capacidade do coração de bombear sangue.
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