Pesquisa
aponta motivos pelos quais jovens optam por não usar ecstasy
(Por Karina Toledo, Agência
FAPESP – 03/01/2013)
Os motivos que levam os jovens a consumir drogas como o ecstasy
(metilenodioximetanfetamina) são bem conhecidos e entre eles se destacam a
curiosidade, a busca por sensações de
prazer e a influência de pessoas próximas.
Mas para entender as razões
pelas quais muitos optam por não usar ou por interromper o consumo da droga,
pesquisadores do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) realizaram um estudo qualitativo com frequentadores de
festas rave – apontadas em levantamentos anteriores como locais de
fácil acesso a esse tipo de substância.
“Nosso objetivo era entender
quais são os freios que levam essas pessoas a optar por não usar a droga mesmo
diante de uma oportunidade. Essas informações oferecem subsídios para programas
de prevenção”, contou Ana Regina Noto, coordenadora da pesquisa apoiada
pela FAPESP.
Os resultados da
investigação, feita com 53 jovens com média de idade de 26 anos, foram
publicados em artigo na revista BMC Public Health, pertencente ao
grupo BioMed Central. O trabalho foi realizado durante o mestrado de
Maria Angélica de Castro Comis, que contou com Bolsa da FAPESP.
Para selecionar os
voluntários, os pesquisadores recorreram ao método conhecido como “bola de
neve”, no qual um entrevistado indica outro possível participante com perfil
adequado. Era critério de inclusão ter tido pelo menos uma oportunidade
concreta de consumir a droga ou estar há um ano sem usar.
A amostra foi dividida em
três grupos. O de não usuários, composto por 23 entrevistados, compreendia
aqueles que nunca haviam experimentado ecstasy. O grupo de usuários leves ou
experimentais era composto por 12 jovens que usaram menos de cinco vezes na
vida. Já os 18 voluntários que disseram ter usado cinco ou mais vezes, mas
haviam parado há mais de um ano, foram considerados usuários moderados.
“Os grupos de não usuários e
de usuários experimentais alegaram motivações parecidas, que incluem o medo dos
efeitos adversos e valores pessoais, sejam eles familiares ou religiosos,
incompatíveis com o consumo dessa droga”, contou Noto.
Já entre os usuários
moderados o principal motivo para a
interrupção do uso foi a
experiência de complicações físicas,
psicológicas ou sociais. Os problemas mais citados foram dores musculares, ranger de dentes, mal
estar no dia seguinte, perda de memória e dificuldade de concentração.
Segundo Noto, a droga atua como alucinógeno e estimulante e afeta diferentes sistemas de
neurotransmissão no cérebro, como o serotonérgico, o dopaminérgico e o
noradrenérgico. A gama de efeitos,
portanto, é ampla. Entre os positivos há a melhora
do humor e da percepção sensorial, euforia e inibição do cansaço. Entre os
negativos estão arritmias cardíacas,
hipertermia e aumento da pressão arterial – reações potencialmente fatais em
pessoas suscetíveis a complicações cardiovasculares.
“Como os usuários costumam
passar noites muito agitadas após consumir a droga, é comum sentirem cansaço extremo nos dias seguintes,
dificuldade de concentração e sensação de tristeza similar a de quadros
depressivos. Em muitos casos, isso atrapalha
o desempenho nos estudos ou no trabalho, sendo um dos motivos para que se
interrompa o uso”, disse Noto.
Comis, porém, ressaltou que
a maioria dos usuários moderados afirmou que voltaria a usar a droga caso
tivesse oportunidade. “Muitos pararam com o uso crônico pelo afastamento do
contexto de uso, ou seja, houve mudanças no ciclo de vida, como término da
faculdade ou casamento, que fez com que parassem de frequentar as festas”,
disse.
Esse dado, acrescentou,
mostra a importância de se estruturar
programas também voltados à redução de riscos e danos relacionados ao uso da
droga. “Conhecendo o discurso dos usuários, podemos pensar numa proposta de
intervenção mais interessante, seja para a prevenção ou para a redução de
danos. Se a gente chega com algo pronto fica mais difícil estabelecer um
diálogo ético e flexível”, disse Comis.
Para Noto, saber as
diferentes motivações que levam uma pessoa a nunca usar drogas ou a
experimentar e interromper o uso permite planejar intervenções individualizadas
e mais eficazes.
“Já que mesmo vivenciando
complicações esses usuários não descartam voltar a usar a droga, temos de usar
todas as possibilidades de intervenção. A prevenção é uma delas, informando as
pessoas sobre os riscos nos contextos em que usam a substância. A redução
de riscos e danos é outra, treinando pessoas que estão nas raves para lidar com
eventuais problemas que possam surgir”, disse Noto.
Novos contextos
Outro dado novo revelado
pela pesquisa é que o uso de ecstasy não
está mais limitado ao cenário da música eletrônica na cidade de São Paulo.
“Pudemos perceber entre os voluntários que também é comum hoje o uso em micaretas, rodeios, churrascos e até festas de
casamento e formaturas”, contou Comis.
De maneira geral, segundo
dados recentes da Organização das Nações Unidas (ONU), o consumo de drogas sintéticas aumentou em toda a América Latina nos
últimos anos. “Também cresceu a proporção de comprimidos contaminados, elevando
os riscos de efeitos adversos”, disse.
Em muitos casos as pílulas de ecstasy vêm misturadas com
outros estimulantes, entre eles vermífugos para uso animal. “Há comprimidos
misturados com ácido acetilsalicílico, a
aspirina, que pode causar reações
graves em pessoas alérgicas”, alertou Comis.
Em 2010, um estudo realizado
na Universidade de São Paulo (USP) com 12,7 mil universitários de todo o Brasil
apontou que 7,5% dos entrevistados já haviam consumido ecstasy pelo menos uma
vez na vida, sendo que 3,1% o fizeram nos últimos 12 meses e 1,9%, nos últimos
30 dias.
O artigo Reasons for not using ecstasy: a
qualitative study of non-users, ex-light users and ex-moderate users (doi:
10.1186/1471-2458-12-353), pode ser lido em www.biomedcentral.com/1471-2458/12/353.
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