Universidades
federais resistem a estatal criada para gerir seus hospitais
Para professores,
atuação da empresa fere autonomia universitária, precariza as relações de
trabalho e abre brecha para a privatização do atendimento.
Por: Rede Brasil Atual,
31/08/2012.
São Paulo – Criada no
final do ano passado com o objetivo de reestruturar os hospitais universitários
federais do ponto de vista físico e tecnológico, a Empresa Brasileira de
Serviços Hospitalares (EBSERH) é alvo de críticas nas próprias universidades.
Na Federal do Paraná (UFPR), o Conselho Universitário decidiu ontem (30) que o
controle do Hospital de Clínicas continuará sob sua própria administração. Na
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Espírito Santo (UFES), de Alagoas (UFAL) e
da cidade gaúcha de Santa Maria (UFSM), entre outras, a questão ainda
não está fechada. Mesmo assim, a resistência contra a adesão das instituições
ao controle da nova estatal é grande. Existem no Brasil 46 hospitais
universitários vinculados a 32 universidades federais. O hospital
universitário da Universidade Federal do Piauí (UFPI), que ainda não entrou em
funcionamento, é o primeiro a aderir.
Na interpretação de
professores, estudantes e trabalhadores, o modelo de gestão previsto no
estatuto da empresa, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), divulgado
semana passada, pode ferir a autonomia universitária, fragilizar as relações de
trabalho e abrir caminho para a privatização do hospital. Eles temem que os
contratos que venham a ser assinados com a empresa contenham brechas que
permitam, entre outras coisas, que esses hospitais-escola passem a cobrar por
consultas, exames, tratamentos e cirurgias, firmem convênios com faculdades
privadas que não têm hospitais próprios e com indústrias farmacêuticas que
interfiram nas pesquisas clínicas conforme seus interesses.
“Não temos necessidade
de terceirizar a gestão de nossos hospitais. Precisamos é que o MEC repasse
recursos suficientes para que possamos melhorar a infraestrutura e pagar os
servidores”, diz Fátima Siliansky, professora do Instituto de Saúde Coletiva e
dirigente da Associação dos Docentes da UFRJ.
Privatização
“Sem o controle das
universidades, essa empresa poderá vir a firmar convênios também com os planos
de saúde privados, reduzindo a oferta de vagas para usuários do Sistema Único
de Saúde (SUS)”, alerta Rogério Miranda Gomes, professor da Faculdade de
Medicina da UFPR e secretário-geral da Associação dos Professores (APUFPR). “Ou
seja, em vez de atender somente de maneira gratuita, como deve ser todo
hospital-escola, abre-se a chamada dupla porta, na qual usuários de planos de
saúde têm prioridade no atendimento”.
Como ele lembra, esse
modelo de atendimento já ocorre em outros hospitais universitários, como o das
Clínicas de São Paulo, vinculado ao governo estadual paulista, gerido por uma
fundação, e o São Paulo, pertencente à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
gerido por uma Organização Social (OS). "Esse tipo de gestão segue na
contramão do que preconiza o SUS", afirma o docente. Centros de
formação de recursos humanos para a área da saúde, esses hospitais articulam
ensino, pesquisa e extensão. São centros de referência no atendimento de
problemas de saúde de média e alta complexidade no SUS. Atendem usuários do
Sistema oriundos da cidade onde estão localizados e também de outras bem mais
distantes – isso quando não situadas em estados vizinhos.
Outra preocupação,
segundo os professores, é com a situação dos atuais servidores dos
hospitais-escolas. Com a adesão, essa empresa assume o controle das instalações
e dos recursos humanos. Os atuais servidores seriam colocados à sua disposição
e ainda não está definido como ficaria a situação de cada um. "Novos
trabalhadores não seriam mais contratados por concursos públicos, e sim pelo
regime de CLT (Consolidações das Leis do Trabalho), que não é o regime da
universidade”, diz Rogério Gomes. “Vínculos precários e a consequente alta na
rotatividade de trabalhadores não são interessantes nem para quem trabalha e
muito menos para a população atendida, geralmente com problemas de saúde
graves, complexos, que exigem tratamento por tempo prolongado. Não se pode
ficar à mercê desse quadro.”
Outro lado
A EBSERH nega prejuízos
à autonomia universitária, que está garantida pelo artigo 207 da Constituição
Federal e pela Lei de Criação da Empresa (Artigos 3º e 6º da Lei nº
12.550/2011) e também ao controle social. Umas das finalidades do Conselho
Consultivo, de apoio à diretoria executiva e ao conselho de administração, é
exercer o controle social. Será constituído por representantes da empresa, do
MEC, do Ministério da Saúde, dos usuários dos serviços de saúde dos hospitais universitários
federais, indicado pelo Conselho Nacional de Saúde; dos residentes em saúde dos
hospitais universitários federais, indicado pelo conjunto de entidades
representativas; reitor ou diretor de hospital universitário, indicado por sua
entidade representativa e dos trabalhadores dos hospitais universitários
federais administrados pela estatal, indicado pela respectiva entidade.
Ainda segundo a
empresa, as universidades continuarão tendo autonomia sobre as pesquisas
realizadas, que são orientadas pelas políticas acadêmicas determinadas pelas
instituições de ensino com as quais vier a estabelecer contrato de prestação de
serviços. Os contratos, que não são obrigatórios, não serão iguais para todos
os hospitais. Antes, serão feitas inspeções diagnósticas para analisar as
características, dificuldades e potencialidades de cada unidade. Só a partir de
então serão discutidos os termos contratuais, que poderão ou não vir a serem
aprovados. A empresa nega também o risco de privatização por ser uma empresa
pública, com recursos públicos.
A situação dos
hospitais universitários agravou-se a partir da década de 1990, quando
houve redução na realização de concursos públicos e queda nos investimentos
públicos. Foram então sendo criados outros mecanismos de contratação. Hoje, na
UFPR, um terço do quadro é contratado pela Fundação da Universidade Federal do
Paraná (Funpar). “Por mais que essa forma esteja longe da que consideramos
ideal, pelo menos o controle é da universidade”, diz Rogério Gomes. Como ele
destaca, pesquisas com a população mostram que apesar da falta de recursos,
esses hospitais ainda são melhor avaliados pela população do que os privados
conveniados ao SUS. "O governo deveria valorizar, contratar mais gente e
não criar essa empresa. Segundo ele, o Hospital de Clínicas do Paraná tem hoje
mais de 100 leitos desativados justamente por falta de recursos e funcionários.
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