Da Eco92 à
Rio+20: mesma essência, novos desafios
São Paulo – Passados
20 anos da Eco92, a Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20, tem basicamente a mesma essência de duas décadas atrás. Àquela
época, o cenário mundial já clamava por um início de mudanças efetivas: o termo
desenvolvimento sustentável era
delineado, ainda que praticamente desconhecido; era sabido que a emissão de
gases poluentes na atmosfera acelerava o aumento da temperatura do planeta e
que acordos para retardar esse
aumento eram indispensáveis. Alguns foram assinados, ali ou mais tarde, como o Protocolo de Kyoto e a Agenda 21, metas
foram postas à mesa, mas a balança garantiu um peso maior ao sucesso que ao
fracasso, conforme as expectativas. E é este anseio que renasce agora.
A Rio+20 também clama
por novos rumos, mas com outras prioridades que, na visão de especialistas,
definirão o futuro da humanidade. Economia
verde, governança global, fortalecimento de um organismo da ONU
voltado ao meio ambiente, outro indicador para mensurar o desenvolvimento
estão entre as principais discussões – e também enérgicas desavenças entre ONU,
bloco dos países em desenvolvimento e ricos. Novos padrões de consumo e criação
de fundos para uma nova economia também norteiam a conferência.
"Precisamos
administrar o futuro da humanidade. Pode parecer ambição desmedida, mas eu acho
que é essencial. É isso que leva a dizer que, apesar de todos os fracassos, eu
continuo a acreditar na ideia de um planejamento democrático", diz o
economista Ignacy Sachs, um dos nomes mais importantes quando o assunto é
desenvolvimento sustentável.
As divergências entre
priorizar crescimento econômico ou a proteção ambiental representam um dos
fatores que polarizam ainda mais a negociação sobre "o que esperar da
Rio+20". De um lado, países emergentes, principalmente os BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), tentam fazer com que as nações
ricas se voltem ao passado e reconheçam a responsabilidade pelo atual estágio
de escassez de recursos naturais, desigualdades sociais e, como não poderia
deixar de ser, uma crise econômica que preconiza o resgate ao capital e minora
as questões sociais.
De outro, o bloco dos
países desenvolvidos é aquele que, prioritariamente, defende a chamada
"economia verde". Para eles, é o único meio de nivelar
desenvolvimento econômico com questão ambiental. No entanto, com certo
ceticismo, os emergentes veem que essa nova divisão economia poderia
"capitalizar" a natureza, ou seja, colocar à venda aquilo que ainda
não foi privatizado – e livrando mais uma vez os países desenvolvidos de
assumirem suas (ir)responsabilidades. Há entre os emergentes aqueles que
enxergam a economia verde como mais uma barreira protecionista, com normas
ambientais rígidas que impedem a exportação de países pobres (por falta de
tecnologia) para os ricos.
No que se refere a
quem pagará a conta da transição, nações como Estados Unidos e Alemanha,
defendem que o papel da China não represente apenas um mero emergente. Por já
ter se tornado uma das maiores economias mundiais e aumentar rapidamente suas
emissões de gases poluentes, o país asiático deveria também entrar na divisão
da conta para uma transição "verde" da economia.
O governo brasileiro
afirma que o grupo do G-77 mais a China, do qual o Brasil faz parte, tem uma
proposta para a criação de um fundo internacional de US$ 30 bilhões por ano
para financiar esse processo. Essa proposta, inclusive, está incluída no texto
final da conferência, que ainda não foi finalizado.
Contudo, com uma
crise econômica nas entranhas do sistema capitalista, os países desenvolvidos,
principalmente os europeus, desenham limites aos possíveis investimentos
destinados a uma economia verde. Atingindo, no máximo, o valor de 0,07% de suas
riquezas totais. Resultando em mais um impasse que pode – ou não – ser
resolvido durante a Rio+20.
Além disso, a
conferência buscará também estabelecer os chamados objetivos de desenvolvimento
sustentável (ODS) em áreas como segurança alimentar, energia e acesso à água.
Os ODSs sucederiam aos objetivos do desenvolvimento do milênio, que elencaram
uma série de metas a serem cumpridas em termos de inclusão social. Com validade
a partir de 2015, os novos objetivos teriam de passar por negociação para que
pudessem ganhar efeito "legalmente vinculante", ou seja,
implicar em compromissos que teriam de efetivamente ser cumpridos.
Considerações
Para o economista da
PUC de São Paulo Ladislau Dowbor, a crise financeira – classificada por ele
como civilizatória – se mostra como uma oportunidade para expor os defeitos do
sistema atual e facilitar as convergências em torno de um novo modelo. “O que
funciona é onde as pessoas são organizadas em torno de seus interesses. É
simples e democrático assim”, afirmou. “Estamos frente a uma mudança profunda
caracterizada por uma crise civilizatória que envolve a mudança cultural. O
ritmo de agravamento dos processos é muito mais acelerado do que nossa
capacidade de transformação".
Ricardo Abramovay,
professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis
da USP, afirma que o desafio é produzir mais para a base da pirâmide social,
incluindo mais gente na classe média. Para ele, a questão crucial que se atrela
ao problema da desigualdade e à ecoeficiência é a real motivação do modo de
produção mundial.
“Precisamos discutir
não como a máquina do sistema econômico vai continuar girando, mas para quê ela
vai continuar girando. Essa lógica é inaceitável em um mundo de 7 bilhões de
habitantes. Temos de fazer a pergunta elemental: para que isso serve? Que bens,
que serviços reais estão sendo proporcionados à vida real?”, questionou. “Não
se trata de se dizer contra o crescimento econômico. Isso é bobagem. A questão é
crescer em qual direção, para usar como os produtos”, defende.