domingo, 18 de setembro de 2011

REPORTAGEM: REMÉDIO DE TIREÓIDE USADO FORA DA DOSE

Remédio de tireoide é usado fora da dose
O Estado de São Paulo, 13-09-2011
FELIPE ODA

Quase metade dos brasileiros (46,6%) em tratamento contra o hipotireoidismo, uma disfunção na glândula tireoide comum entre as mulheres, ingere a quantidade errada do hormônio que controla o problema e que está envolvido no equilíbrio de funções vitais, como fertilidade, raciocínio, sono, batimentos cardíacos e temperatura do corpo. Desses, 28% consome dosagem inferior à prescrita por médicos, o que pode levar ao aumento de peso, das taxas de colesterol e à depressão.

18,6% da população avaliada toma mais remédio do que o necessário e está sujeita a desenvolver o hipertireoidismo – produção excessiva de hormônios tireoidianos. A adesão à reposição do hormônio levotiroxina (LT4), única forma de combater a doença, foi objeto de um estudo que contou com a participação de vários hospitais universitários do Brasil, entre eles o da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Também participaram a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal do Ceará (UFC).

A culpa pelas falhas que o estudo constatou no tratamento deve ser dividida entre médicos e pacientes, de acordo com o professor Mario Vaisman, titular de endocrinologia da UFRJ e coordenador da pesquisa. “Há vários motivos para o paciente estar fora da faixa terapêutica (dosagem ideal). Ele pode não respeitar o jejum ou estar misturando o LT4 com outros remédios. E os médicos também não explicam o uso da medicação com clareza”, acredita Vaisman.

Exatamente 1.231 pacientes, com idade média de 53 anos, foram ouvidos na pesquisa. Dos entrevistados, 88,4% eram mulheres. Esse predomínio feminino reflete as estatísticas nacionais para a doença. Quatro em cada 1 mil mulheres com 50 anos ou mais sofrem com o hipotireoidismo. Ao todo, segundo dados do Ministério da Saúde, 5 milhões de pessoas têm a doença no País.

É justamente na pós-menopausa, quando a prevalência da doença aumenta, que o risco de interação dos hormônios com outros medicamentos que anulam seu efeito aumenta. É o caso dos fármacos à base de cálcio, por exemplo, usados contra osteoporose. “Algumas medicações, como antiácidos, sulfato ferroso e carbonato de cálcio interferem na absorção”, explica a endocrinologista Suemi Marui, chefe da Unidade de Tireoide do
Hospital das Clínicas (HC).

Ainda que a interação medicamentosa seja um problema para pacientes com hipotireoidismo, somente 52 % dos pacientes avaliados pelo estudo de Vaisman disseram conhecer essa informação. “A absorção do hormônio depende da acidez gástrica. Por isso, o medicamento deve ser ingerido pelo menos 30 minutos antes do café da manhã. Precisa ser tomado em jejum”, completa Suemi.

Com hipotireoidismo, a professora Ana Maria Perressim, de 46 anos, conta que já passou por dificuldades para controlar sua taxa de hormônios. “Já tomei uma dose tão alta que tive hipertireoidismo (excesso de hormônios). Perdi 4 quilos em 15 dias”, lembra. Em tratamento há pouco mais de um ano, ela desenvolveu estratégias para seguir à risca o tratamento. “Coloco o relógio para despertar 40 minutos antes de acordar. Tomo o remédio e volto a dormir.”

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