A planta anti-AIDS
Uma
droga criada a partir do avelós, uma planta africana encontrada no Norte e no
Nordeste do Brasil, revelou-se eficaz no combate ao vírus HIV.
(Revista
Planeta, nº487, Maio/2013. Por Camilo Gomide)
De
uma “garrafada de ervas” – o composto popular encontrado em feiras livres no
Norte e Nordeste, vendido em diversas misturas como cura para muitos males –
saiu a droga que apresenta, até agora, os melhores resultados em testes contra
o HIV. Estudos in vitro demonstraram que o ingenol, substância extraída da
planta africana avelós (Euphorbia tirucalli), disseminada no Brasil, age nas
células infectadas de forma a induzir a erradicação do vírus.
O
próximo passo da pesquisa em andamento no laboratório paulista Kyolab, e em
outros laboratórios no Brasil, na Alemanha e nos Estados Unidos, são os testes
em macacos e cachorros. Se o mecanismo de ação do remédio observado em células
isoladas se repetir em animais, o estágio seguinte será realizar experiências
em humanos. A transição pode demorar a acontecer, já que o experimento em
bichos costuma levar entre um ano e meio e dois. “Mas, se o produto se mostrar
bom nos animais, podemos conseguir rapidez nos testes por ser uma droga de
interesse mundial”, diz Luiz Pianowski, pesquisador à frente do projeto.
Farmacêutico
com longa experiência em desenvolvimento de fitomedicamentos – membro do
conselho científico da indústria farmacêutica Aché durante seis anos e detentor
de várias patentes da empresa –, Pianowski descobriu os efeitos do avelós quase
por acaso.
Em
2003, ele foi convidado pelo empresário cearense Everardo Ferreira Telles,
ex-dono da cachaçaria Ypióca, para coordenar as pesquisas com a planta
nordestina em que estava investindo. Telles, que não tem nenhuma experiência na
área, ficou intrigado com as propriedades do avelós no combate ao câncer,
propagadas por conterrâneos, e resolveu financiar estudos. Criou sua própria
empresa, mas contratou os serviços da Kyolab, de Pianowski, para esse caso
específico.
Durante
a pesquisa sobre o tratamento do câncer, Pianowski descobriu que o ingenol
interagia com uma enzima celular importante no ciclo do HIV e teve a ideia de
testá-lo contra o vírus da Aids. Para isso, contatou o virologista Amílcar
Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O Amílcar até
brincou: ‘Poxa, a multinacional Merck Sharp já pesquisou mais de dois milhões
de moléculas contra o HIV e você traz uma na mão achando que vai dar certo?”,
conta Pianowski.
Acordando o vírus
A
primeira ação do HIV no organismo humano é atacar as células do sistema
imunológico, os linfócitos. Nesse primeiro momento de infecção aguda, o vírus
agride as células de defesa, destruindo algumas e deixando o corpo vulnerável a
outras doenças. Em seguida, invade essas células e se integra ao seu código
genético. “Como ele se transforma em DNA, a célula não o reconhece mais como
inimigo e ele passa a fazer parte do organismo. Por isso nosso sistema imune
não consegue atacar o vírus. O HIV fica escondido nessas células latentes”,
explica Pianowski.
O
tratamento com o coquetel retroviral mais eficaz usado atualmente contra a Aids
consegue eliminar todos os vírus presentes na corrente sanguínea, mas não os
que invadiram as células. O remédio bloqueia a multiplicação do HIV infiltrado
nas células latentes, mas, se for suspenso, o processo de replicação recomeça.
A droga também não é capaz de eliminar algumas proteínas sintetizadas pelo
vírus, que agridem o sistema imune. “Muitas vezes o paciente fica com uma
inflamação crônica que aumenta as chances de contrair doenças cardíacas e
câncer. Ele não morre de infecção, mas o sistema imune não é mais 100% e ele
não pode ficar sem o remédio nunca”, explica Amílcar Tanuri.
Para
os pesquisadores, a possibilidade de cura completa com a nova droga extraída do
avelós é maior. In vitro, o ingenol mostrou-se capaz de “despertar” as células
latentes, fazendo com que o HIV saia delas e volte à corrente sanguínea, onde,
aí sim, pode ser morto pelo coquetel. Além disso, o medicamento consegue
diminuir a presença de proteínas que agem como receptoras do HIV na membrana
dos linfócitos. O ingenol retira o vírus das células infectadas e o impede de
contaminar outras.
Vantagem prática
Existem
outras substâncias com efeitos profiláticos parecidos aos do ingenol, mas
nenhuma delas combinou tão bem eficácia, baixa toxicidade e viabilidade
econômica.
“Há
a prostatina, que é isolada de uma planta rara da Ilha de Samoa (Polinésia). E
a briostatina, feita a partir de um briozoa, uma classe de animais do mar,
também difícil de isolar e manipular quimicamente. Ambas são mais caras e
tóxicas que o ingenol, que vem de uma planta abundante no Nordeste, de
manipulação não tão difícil”, conta Lúcio Gama, professor-assistente da
Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore (EUA), que
conduziu os testes in vitro e está acompanhando a experiência com macacos,
terceirizada para a empresa Bioqual.
Os
testes são uma etapa fundamental para a consolidação das expectativas. O
comportamento de células isoladas em tubos de ensaio pode variar muito dentro
do organismo humano. “O sistema imune é altamente complexo e quando as células
são isoladas em testes in vitro, você as isola do resto do organismo. Você tem
que testar em animais para ver o efeito. Ainda mais com uma droga que atua em
pontos chaves da célula”, explica Tanuri.
Um
caso emblemático que ilustra a necessidade de uma metodologia rigorosa de
testes é a do Saha, um medicamento utilizado contra o câncer que se mostrou
eficaz na ativação do vírus in vitro, assim como o ingenol. Por já ser
regulamentada, a droga pôde ser testada imediatamente em humanos. No entanto,
os resultados alcançados em laboratório ficaram muito aquém do que foi
registrado em pacientes. “Você tinha que dar uma dose dez vezes maior para ter
um pouquinho de ativação viral, e aí a droga ficava tóxica”, diz Gama.
Embora
cautelosos, os pesquisadores não escondem o otimismo. Para eles, as evidências
de baixa toxicidade e a alta capacidade de ativação viral demonstrada pelo
ingenol – que costumam ser os maiores entraves na busca por remédios de combate
ao HIV – não têm precedentes. Experimentos prévios feitos por Pianowski em
ratos, na Alemanha, também sugerem bons resultados. As previsões para o início
de testes em humanos são de dois anos. A cura da Aids pode ser questão de
tempo.
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