Câncer de boca e de garganta
torna-se mais frequente em jovens
(Por Karina Toledo, de Madri.
Agência FAPESP, 14/12/2012)
Até pouco tempo atrás, os
tumores de boca e de garganta eram tipicamente associados a pacientes com mais
de 50 anos e histórico de consumo pesado de álcool e tabaco. Mas, nos últimos
anos, estudos epidemiológicos têm apontado uma emergência de casos em pessoas
jovens que nunca fumaram ou beberam – a
maioria deles associada à infecção pelo papiloma vírus humano (HPV).
A mudança no perfil dos
afetados por esse tipo de câncer tem grandes implicações nos programas de
prevenção, detecção precoce e também no tratamento da doença.
O tema foi abordado pelo
médico Luiz Paulo Kowalski, diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e
Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A.C. Camargo, nesta quinta-feira
(13/12), durante o evento “Fronteras de la Ciencia – Brasil y España en los 50 años de la
FAPESP.
O simpósio integra as
comemorações dos 50 anos da FAPESP e reúne, nas cidades de Salamanca (10 a
12/12) e Madri (13 e 14/12), pesquisadores do Estado de São Paulo e de
diferentes instituições de ensino e pesquisa do país ibérico, em uma
programação intensa, diversificada e aberta ao público.
“Levantamentos anteriores
feitos no Brasil apontavam uma prevalência de infecção pelo HPV menor que 2%
nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Mas um estudo nosso publicado em
2012 mostra que em pacientes jovens com tumores de boca a prevalência é de 32%.
Isso é bem alto”, contou Kowalski à Agência FAPESP.
Foram comparadas 47 amostras
de tumores de pacientes com menos de 40 anos e 67 amostras de pacientes com
mais de 50 anos. Entre os mais velhos, o índice de infecção pelo HPV foi de 8%.
Os resultados da pesquisa, realizada com apoio da FAPESP, foram publicados no International Journal of Cancer.
“Nos dois grupos, o estágio
da doença era parecido, a localização do tumor era semelhante e, ainda assim,
os pacientes jovens HPV positivos tinham taxa de sobrevida melhores que os
demais”, contou Kowalski.
Esse achado reforça dados de
estudos anteriores que apontam um melhor prognóstico para pacientes HPV
positivo. “Parece ser um tumor
diferente, com comportamento mais localizado e menos agressivo. Em geral, os
pacientes respondem melhor ao tratamento”, disse.
Em outra investigação em
andamento, estão sendo comparados 23 pacientes com câncer de orofaringe
(amígdala) atendidos no Hospital A.C. Camargo com 10 pacientes atendidos no
Hospital do Câncer de Barretos, no interior de São Paulo.
O objetivo é identificar marcadores
de resposta ao tratamento, mas ao fazer a avaliação da presença do HPV os
pesquisadores encontraram um dado interessante: enquanto 78% dos pacientes da
capital são positivos para a presença do vírus, todos os voluntários de
Barretos foram negativos.
“Provavelmente essa
diferença se deve ao fato de que na capital as pessoas aderiram mais às
campanhas antifumo e hoje bebem menos do que antigamente. Já no interior, os
hábitos mudaram menos. Além disso, o
comportamento sexual na capital também está mais diferente e isso é um dos fatores ao qual se atribui o
aumento da ocorrência dos casos de câncer associados ao HPV”, explicou
Kowalski.
"A discrepância nos
índices de infecção pelo vírus, mais uma vez, se refletiu nos resultados
terapêuticos alcançados em cada grupo negativo, e a resposta terapêutica é
muito pior”, disse.
A pesquisa está sendo
realizada no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica do
Hospital A.C. Camargo, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
(INCT) apoiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Mudança
de paradigma
Há 20 anos, o panorama para
um jovem com câncer de cabeça e pescoço era muito ruim. “Em geral, eram pessoas que começaram a fumar e beber muito
cedo. Tinham más condições nutricionais, um estado físico muito
comprometido e tumores muito agressivos”, contou Kowalski.
Hoje, por outro lado, um
paciente jovem, HPV positivo, sem histórico de consumo pesado de álcool e
cigarro tem grandes chances de sobreviver ao tratamento e de voltar à vida
normal.
Para Kowalski, essa mudança
de paradigma exige a revisão dos
programas de prevenção e detecção precoce da doença, muito focados em cuidados
com a boca e em pacientes fumantes e etilistas. “Agora temos de nos preocupar
com todas as pessoas. Mesmo quem não fuma e não bebe pode estar em risco”,
disse.
Além disso, segundo o
médico, é preciso lutar pela
institucionalização de campanhas de vacinação contra o HPV para meninas e
também para meninos.
“Embora existam mais de 200
variações de HPV, a maioria dos casos de
câncer de orofaringe está associada aos tipos 16 e 18, contra os quais a
vacina é capaz de proteger. É a melhor forma de prevenir a doença no futuro”,
destacou Kowalski.
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