Medidas extremas para conter o avanço global do mal de Alzheimer
O Globo, 14-07-2011
RIO - À medida que a população mundial cresce e envelhece, os casos de demência devem aumentar exponencialmente. As previsões são de que o número total de vítimas ao redor do mundo quase dobre a cada 20 anos, passando de 35,6 milhões de pessoas em 2010 para 65,7 milhões em 2030 e 115,4 milhões até 2050. Grande parte dessa previsão de aumento se deve ao desenvolvimento do mal de Alzheimer, apontado como responsável por entre 50% e 80% dos casos de alienação mental no mundo.
Só no ano passado, o impacto econômico global das diversas formas de demência foi calculado em US$ 604 bilhões - mais do que o de doenças cardiovasculares e câncer - devendo subir pelo menos 85% até 2030, a maior parte em países em desenvolvimento como o Brasil.
Proposta é usar drogas experimentais na prevenção
De olho nesta epidemia, alguns pesquisadores já propõem usar tratamentos e medicamentos atualmente em testes para tentar conter ou reverter o mal de Alzheimer de forma preventiva. No ano passado, cientistas da Universidade de Turku, na Finlândia, apresentaram resultados preliminares de testes clínicos de uma terapia imunológica que usa anticorpos para atacar as placas de peptídeos beta-amiloides - um tipo de cadeia de aminoácidos - que se formam nos cérebros dos doentes de Alzheimer.
Embora tenha conseguido diminuir o tamanho das placas em 25%, o tratamento de um ano e meio não trouxe benefícios cognitivos para os pacientes, levantando dúvidas quanto a sua eficácia quando a doença já está instalada.
Diante disso, Sam Gandy, professor de neurologia e psiquiatria da Escola de Medicina Mount Sinai, em Nova York, sugere esta semana em artigo na revista "Nature" - que dedicou uma edição especial ao mal de Alzheimer - que o mesmo tratamento em testes na Finlândia seja experimentado em pessoas que ainda não apresentem sintomas da doença, mas tenham alguns marcadores biológicos associados ao seu desenvolvimento, principalmente os da formação das placas beta-amiloides. Elas começariam a receber os anticorpos contra as placas de dez a 20 anos antes de quando deveriam começar a mostrar sintomas da doença, evitando ou interrompendo sua formação.
Segundo Gandy, os resultados já apresentados pelos cientistas da Universidade de Turku permitem três interpretações: ou um ano e meio não é tempo bastante para o tratamento; ou a redução de 25% das placas é insuficiente para que haja uma melhora das funções cognitivas; ou os anticorpos estão falhando em atacar as formas mais neurotóxicas do peptídeo.
De forma a abordar as duas primeiras questões, os testes receberam autorização para serem estendidos e agora vão durar até 2013. Já para a última, Gandy admite que serão necessárias mais pesquisas para determinar se as placas são a real fonte dos problemas. Ainda assim, ele considera a abordagem preventiva "a maior esperança" de controle da doença a médio prazo.
"A maior esperança das terapias é atacar os níveis de beta-amiloide, dosando-as para interromper o crescimento das placas em primeiro lugar", escreveu. "O melhor argumento para permanecer nesta estratégia é que compostos seguros e efetivos já estão à mão. Um século de esforços produziu um modelo racional de como o mal de Alzheimer deve começar e não devemos nos desencorajar com a perspectiva de mais uma década ou duas de trabalho para resolver a questão do beta-amiloide. A intervenção profilática é, agora, nossa maior esperança", concluiu Gandy.
Benefícios podem não compensar os riscos
Para Jerson Lima Silva, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, a proposta de Gandy é válida, mas para ser levada a cabo será preciso desenhar um protocolo de testes mais estrito e seguro, criado especificamente para uma abordagem preventiva da doença.
- Como todo tratamento, a terapia antibeta-amiloide tem seus prós e contras - explica. - Uma coisa é você ter pacientes com sintomas clínicos e diagnóstico conhecido de Alzheimer. Outra é trabalhar com um grupo de pessoas sadias que tem apenas a possibilidade de ter a doença. Não sabemos quais são os possíveis efeitos colaterais de uma terapia imunológica de longo prazo, que pode ter efeitos tóxicos desconhecidos. Além disso, as proteínas e enzimas responsáveis pela fabricação do beta-amiloide não estão no cérebro à toa. Na maioria das vezes, os benefícios compensam os riscos, mas em outras, não.
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