Cientistas iniciam pesquisa inédita com células de embriões para tratar pacientes cegos e criam o primeiro banco público com esses tecidos para investigar doenças como a esquizofrenia e o Parkinson
(Por
Mônica Tarantino, Istoé – 10/01/2014)
O País está na dianteira de uma série
de estudos com células-tronco, uma das grandes esperanças da medicina para a
cura de várias doenças. Da cegueira ao Alzheimer, pesquisadores brasileiros
estão debruçados sobre as perspectivas de tratamento de diversas enfermidades a
partir do desenvolvimento de novas terapias. Um dos trabalhos pioneiros envolve
células-tronco extraídas de embriões – aquelas que podem se tornar qualquer
tecido do corpo.
Começa em fevereiro um estudo inovador
com pessoas cegas em razão da degeneração macular relacionada à idade (DMRI). É
a principal causa de cegueira irreversível em países desenvolvidos,
especialmente na população idosa. A proposta é conter o progresso da doença e
reverter seus danos.“Será a primeira pesquisa no mundo a usar células
embrionárias cultivadas no laboratório para se diferenciar em tecidos específicos
antes de implantá-las no olho”, explica o oftalmologista Rodrigo Brant, da
Universidade Federal de São Paulo. O tratamento é promissor, mas o pesquisador
frisa que não se aplicará a todos os casos de perda de visão.
Outra linha de pesquisa audaciosa está
em andamento na FioCruz e no Hospital São Rafael, ambos na Bahia. Na primeira
fase, sete pacientes paraplégicos (por traumas na coluna) receberam injeções de
células-tronco adultas na medula espinhal (por onde passam os feixes nervosos
que ligam o cérebro ao corpo). Em 2013, o número de pacientes tratados subiu
para 14. “Agora estamos investigando os resultados de cada um deles para
conhecer as características das lesões que respondem melhor ao tratamento”, diz
a cientista Milena Soares, uma das responsáveis pelo projeto.
A maioria recuperou a sensibilidade
dos membros inferiores, passou a ter maior controle da bexiga e houve quem
melhorasse a ponto de andar com a ajuda de aparelhos. Uma das beneficiadas pelo
trabalho é a economista Andrea Damasio, 35 anos, que participa do estudo há um
ano. Ela perdeu os movimentos dos membros inferiores após cair da escada. “A
terapia ajudou a controlar os espasmos que eu tinha, o que já me permite dar
uns passinhos com o andador, e recuperei a sensibilidade”, diz Andrea.
A regeneração do coração é mais uma
frente desafiadora de estudos. As primeiras pesquisas nessa área sugeriam que a
injeção de células-tronco (tiradas da medula óssea) no coração poderia
restituir as células perdidas no ataque cardíaco. Estudos posteriores
revelaram apenas um aumento na formação de novos vasos. No Instituto do
Coração da Universidade de São Paulo, um estudo de longa duração (mais de seis
anos) está prestes a revelar, afinal, se há alguma vantagem no procedimento.
Ali, metade dos 140 pacientes submetidos à cirurgia de ponte de safena recebeu,
durante a operação, células-tronco adultas no local a ser recuperado. “Vamos
comparar os resultados. As análises serão divulgadas nos próximos meses”, diz o
cientista José Eduardo Krieger, que coordena o trabalho.
Brant, da Unifesp, usará células-tronco embrionárias na tentativa de brecar a cegueira causada por doença degenerativa
No campo das doenças mentais, o neurocientista
Stevens Rehen lidera uma revolução no estudo da esquizofrenia. Ele está
trabalhando com células reprogramadas (induzidas, em laboratório, a voltar ao
estágio embrionário e posteriormente convertidas em outros tecidos do corpo). O
grupo de Rehen reprogramou células da pele de pessoas com esquizofrenia para
criar neurônios. “Constatamos que o cérebro desses pacientes consome duas vezes
mais oxigênio do que o normal”, explica o pesquisador, que coordena o
Laboratório Nacional de Células-Tronco do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além disso, o grupo conseguiu
recentemente converter células da urina em neurônios. “Essa nova técnica
facilitará estender a pesquisa a pacientes com outros transtornos mentais, inclusive
crianças e idosos”, diz. Rehen está recrutando mais pacientes com esquizofrenia
para ampliar o estudo.
Mais uma tendência é o surgimento de
coleções de células-tronco para o estudo de doenças e testes com medicamentos.
“Temos já um banco de células-tronco e células reprogramadas de mais de 300
pacientes com doenças genéticas. Elas permitirão estudos importantes”, diz a
geneticista Mayana Zatz, que dirige o Centro do Genoma e Células-Tronco da USP.
Também está em formação um acervo
nacional de células reprogramadas, o primeiro do gênero na América Latina. Será
voltado para o estudo de problemas como Alzheimer, Parkinson e mais 15
enfermidades. A iniciativa envolve diversas instituições, é pública e tem apoio
do Ministério da Saúde. “É um grande passo”, aprova o hematologista Nelson
Hamerschlack, do Hospital Albert Einstein. Ele avaliou o impacto do transplante
de células-tronco da medula óssea do próprio paciente com esclerose múltipla.
“Em 75% dos casos, os sintomas melhoraram ou a doença ficou estabilizada”, diz.
Hamerschlack planeja iniciar estudos com pacientes com a doença em estágio mais
precoce.
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