Cientista
do IPCC vê avanços do Brasil no combate ao aquecimento global
O brasileiro Emilio La Rovere confirma que um novo
relatório do painel de cientistas da ONU será divulgado no ano que vem
(Por: Maurício Thuswohl, da Rede Brasil Atual - 27/02/2013)
Rio de Janeiro – Coordenador do Laboratório Interdisciplinar
de Meio Ambiente da COPPE/UFRJ, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) e coordenador científico do Painel
Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Emilio La Rovere elogiou o cumprimento das metas de redução do
desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa por parte do governo
brasileiro. O cientista fez ontem (26), em palestra realizada no Museu do
Meio Ambiente, localizado no Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro, um
balanço dos avanços obtidos pelo Brasil no combate ao aquecimento global. Ele
também falou sobre o atual estágio de desenvolvimento do PBMC, criado em julho
de 2010 durante a Semana Nacional de Ciência, Tecnologia.
Para La Rovere, “o Brasil se comprometeu em 2009 com
uma série de objetivos voluntários fortemente baseados na redução do
desmatamento. Até agora temos sido exitosos. Por sua vez, a Plataforma de
Durban, definida em 2011, prevê uma nova rodada de negociações e provavelmente
teremos objetivos de todos os países para o horizonte depois de 2030. Até 2020,
em todo caso, nossas emissões devem estar dentro dos compromissos voluntários
assumidos”, diz.
Ele também falou sobre os principais pontos comumente
considerados fatores de risco para o
aumento das emissões no Brasil, como a exploração
do pré-sal, o desrespeito ao Código
Florestal e seu conseqüente aumento do desmatamento
e a construção de usinas
hidrelétricas na Amazônia.
“Até agora, as intenções anunciadas pelo governo
brasileiro em relação ao pré-sal parecem bastante razoáveis para não cairmos na
maldição dos países ricos em petróleo de manter preços muito baixos
internamente e com isso aumentar fortemente o consumo. Mas não foi o que a
gente viu na prática no ano passado. O governo sucumbiu à tentação de manter o
preço da gasolina artificialmente baixo para com isso segurar a taxa de
inflação. O discurso oficial é fazer com que os preços internos do petróleo
acompanhem os preços internacionais, mas a prática é outra, o que me deixa
preocupado. A inflação não foi segurada e a Petrobras quebrou. Esse foi o
resultado dessa política, que eu espero que seja revista”, diz o cientista.
Em relação às florestas, La Rovere dá um voto de
confiança ao novo Código Florestal: “Nós tínhamos um Código Florestal ótimo. O
problema é que não era aplicado. Agora temos um Código Florestal que não é tão
bom quanto antes, mas, se for respeitado e bem aplicado, a situação pode não
ficar tão ruim assim”, diz. Ele ressalta o fato de que o desmatamento vem
caindo no país: “Um estudo da PUC-RJ mostra que metade da redução do
desmatamento pode ser atribuída à aplicação de políticas públicas. Entre elas,
o fundamental foi a restrição de crédito a quem não tem título de posse e
licença ambiental. O novo Código Florestal não vai ser o obstáculo mais
importante para a gente superar”, diz.
La Rovere também defende a construção de algumas
usinas hidrelétricas na Amazônia, desde que ambientalmente sustentáveis: “O
desmatamento provocado pela área inundada não é tão importante quanto o causado
pela pecuária ou pela soja. Há as emissões de metano da área inundada, mas não
temos conhecimento científico pra criar um fator de medição. Em todo caso, as
hidrelétricas emitem muito menos gases de efeito estufa do que as
termelétricas, mesmo as de gás natural, que poluem menos. O IPCC e a Convenção
do Clima consideram zero a emissão de hidrelétricas”.
Ele reconhece que “hidrelétricas têm impactos sociais
e ambientais muito expressivos, particularmente na região da Amazônia, onde há
uma série de ecossistemas que são muito frágeis”, mas defende essa opção:
“Obviamente, se não fizermos hidrelétricas na Amazônia vamos ter que fazer
termelétricas, já que não vejo a energia nuclear como uma grande possibilidade
no Brasil devido a uma série de problemas, como custos e segurança. Temos
outras fontes, como a eólica e a solar, que são intermitentes”, diz.
“Uma coisa é ter uma posição ideológica contrária às
hidrelétricas na Amazônia. Outra coisa é você verificar que tudo tem prós e
contras. Acho que a gente pode e deve fazer algumas hidrelétricas na Amazônia,
mas de uma forma completamente diferente do que estamos fazendo até agora. É
viável hidrelétricas que mereçam o adjetivo de sustentável, mas teremos que
fazer diferente, não poderemos fazer em áreas de floresta virgem uma estrada de
acesso e um canteiro de obras. Não podemos repetir erros do passado. Balbina e
Tucuruí são exemplos de como não se deve fazer uma hidrelétrica”, acrescenta La
Rovere, que vê as usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte em um estágio
mais avançado em termos ambientais do que as usinas mais antigas.
Novo relatório do IPCC
Emilio La Rovere confirmou também que um novo
relatório do IPCC será divulgado no fim de 2014. Será o quinto relatório de
avaliação elaborado pelo painel de cientistas da ONU, eu já havia divulgado
outros em 1990, 1996, 2001 e 2007: “Trata-se do primeiro relatório que a gente
coloca em consulta pública. Obtivemos pouquíssimos comentários, mas é um
primeiro passo para criar essa cultura”, diz.
O relatório, segundo o brasileiro, já teve várias
versões, entre comentários dos governos, agências internacionais e cientistas.
Ao final desse processo, deverá ser aprovado pela plenária do IPCC o Sumário
Técnico Executivo a ser encaminhado aos tomadores de decisão: “O relatório
precisa ser aprovado por representantes dos 196 países. Aí, já é o mundo da
política. Ficamos uma semana discutindo as palavras que tem que constar.
Imaginem, por exemplo, Estados Unidos, Rússia, Brasil, China e Arábia Saudita
na mesma sala, os interesses afetados são grandes. Conseguir esse sumário de
tomadas de decisões já é um documento resultante desse diálogo. É um sumário
técnico, mas submetido às decisões políticas. No resultado final, a gente busca
chegar a uma mensagem que reflita da melhor forma essa visão resultante de uma
pluralidade de perspectivas”.
Um novo alerta será dado aos governantes: “As
emissões estão crescendo, e não dá para baixarem abruptamente em nível mundial.
Mas, elas têm que começar primeiro a ter sua velocidade de crescimento
diminuída. Para estabilizar o aquecimento global em dois graus, as emissões têm
que cair bastante mais rapidamente do que estamos conseguindo fazer. A
estimativa de dois graus não é científica, é política. Os cientistas não podem
dizer com exatidão, mas sabemos que será algo entre um e cinco graus”.
La Rovere espera que a mudança de postura do governo
dos Estados Unidos fortaleça ainda mais o IPCC: “A aposta no desenvolvimento de
novas tecnologias foi utilizada como álibi no governo Bush para que o país
ignorasse as negociações climáticas internacionais. A orientação do governo
Obama é bem diferente. Parece que agora, no segundo mandato, ele vai aprofundar
o que pode ser feito em nível doméstico. A decisão da Suprema Corte dos EUA de
incluir a questão climática como assunto de interesse para a saúde do povo
americano forneceu instrumentos ao Executivo, que independem da posição do
Congresso, para colocar limites das emissões em indústrias e veículos de uma
forma mais consistente. Parece que isso vai ser aprofundado no segundo mandato
de Obama e é uma boa notícia para o mundo”.
Apoio do governo
Em relação ao apoio do governo brasileiro ao PBMC, o
cientista faz um balanço positivo dos últimos dez anos: “Houve apoio lento, mas
a gente viu. A reforma da reforma do setor elétrico foi positiva, apesar dos
pesares, já que me parecia totalmente sufocado o modelo anterior, adotado no
governo FHC, de privatizar o setor elétrico com base na receita britânica
totalmente inadequada para um país que tem base hidrelétrica”, diz.
Em termos de pesquisa, ele cita a recente regulação
do setor de energia, aprovada em abril do ano passado pela Aneel, que abre a
rede para os smart-grids, onde o produtor independente pode jogar energia da
rede: “Foi um ganho muito grande para o desenvolvimento da energia solar. O que
foi feito em gás natural também foi importante, e pode ser visto como solução
de transição, já que é melhor usar gás natural do que óleo combustível. Mesmo
com muito atraso, também houve um grande ganho em energia eólica”, diz.
Mas, nem tudo são flores na avaliação do cientista:
“O que está claudicante, incrivelmente, é o etanol de cana-de-açúcar. Não
podemos deixar o Pró-Álcool, que foi um ganho muito grande pelo qual o Brasil é
admirado no mundo todo. Mesmo com problemas na cadeia de produção, o balanço
como um todo é positivo. Agora, essa política suicida de conter preço da
gasolina só faz enterrar o etanol de cana. Para mim, é incompreensível que a
presidente Dilma, que é da área de energia, tenha feito esse descalabro”.
PBMC
O PBMC tem quatro grupos de trabalho que atuam em
ordem cronológica. O GT 3, que está sendo elaborado agora e trata efetivamente
da mitigação às mudanças climáticas, é coordenado por La Rovere e por Mercedes
Bustamante, da UnB. Seus temas estruturantes, segundo La Rovere, são: “Os
riscos e incertezas para se formular uma política de resposta às mudanças
climáticas e a preocupação com a equidade, afinal, quem vai pagar o ônus de
enfrentar as mudanças climáticas?”, indaga. Outros temas são: as tendências,
fatores dominantes e forças motrizes do aquecimento global; o detalhamento
setorial, com cenários para o futuro em setores como geração de energia,
transporte, edificações, indústria e agricultura, as mudanças nas principais
fontes de emissão no Brasil, e os recursos financeiros e políticos para
enfrentar o problema.
As principais conclusões do PBMC, adianta La Rovere,
serão: a quase impossibilidade de estabilização da temperatura em apenas 2
graus acima do nível pré-Revolução Industrial; a viabilidade de se alcançar os
objetivos voluntários de redução das emissões já aprovada pelo governo brasileiro
até 2020, graças ao êxito das ações de combate ao desmatamento; a tendência de
retomada das emissões após 2020, puxada pelo crescimento econômico do país.