Expansão
da reciclagem esbarra em 'gargalos' do setor
Falta de capacitação, de
coleta seletiva, além de peso tributário, estão entre principais entraves para
a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a vigorar no ano que vem.
(Por Vinícius Lisboa,
da Agência Brasil, publicado 17/05/2013)
A pouco mais de um ano para
entrar em vigor, Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda está longe de
encontrar condições ideais.
Rio de Janeiro – A coleta
seletiva ainda enfrenta gargalos para se tornar abrangente no país, como
determina a Política Nacional de
Resíduos Sólidos, que entrará em vigor na segunda metade do ano que vem. A
avaliação foi feita por André Vilhena, diretor do Compromisso Empresarial pela
Reciclagem (Cempre), fórum que reúne 38 grandes empresas nacionais e
multinacionais desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a Rio 92.
Vilhena destaca que um dos entraves para o avanço da coleta seletiva
no Brasil é a falta de qualificação
dos gestores locais responsáveis por elaborar os planos municipais de resíduos
sólidos: "O envolvimento das prefeituras é o ponto de partida. Temos
hoje poucos municípios fazendo a coleta seletiva e, principalmente, fazendo a
coleta seletiva de forma abrangente. Para mudar isso, os gestores públicos
necessitam de treinamento para que possam efetivamente implantar os programas
em seus municípios".
A
falta de capacitação é mais grave no interior, mas também está
longe do ideal nas grandes cidades: "Vamos pegar os exemplos das maiores
cidades do Brasil: os programas tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro são
muito pouco abrangentes, precisam passar por uma reformulação e ampliação
significativas. Sem dúvida alguma, no curto espaço de tempo, precisamos
melhorar muito os programas de coleta seletiva nas cidades brasileiras,
especialmente nas maiores".
Com programas de coleta
seletiva pouco organizados, a indústria
recicladora padece de pouca oferta de matéria-prima e, segundo estimativas
do Cempre, funciona, em média, com capacidade ociosa entre 20% e 30%.
Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2010
já mostrava que o Brasil deixava de movimentar R$ 8 bilhões anualmente por não
aproveitar o potencial do setor. De acordo com o Cempre, apenas 14% das cidades
brasileiras têm coleta seletiva, sendo 86% delas no Sudeste.
Outro entrave para a
reciclagem no Brasil, segundo Vilhena, é o
peso tributário sobre o setor, que se beneficiaria de mudanças na
cobrança de impostos: "De cara, deveria ser dispensado o recolhimento do
ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] na venda de sucatas e
materiais recicláveis, além de produtos com 100% de material reciclado. Poderia
ser feita, a partir disso, uma redução gradativa do imposto conforme o
percentual de material reciclado na composição", defende ele, que acredita
haver bitributação no caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI):
"em alguns setores, o produto já teve a cobrança do IPI [Imposto sobre
Produtos Industrializados]. quando foi descartado, e tem o desconto de novo
durante a reciclagem".
Edson Freitas, da
organização não governamental EccoVida, concorda com as duas análises:
"muita gente prefere a informalidade por causa dos impostos. Pago uns 30%
de imposto sobre minhas garrafas e ainda tenho que pagar para destinar o lixo
não aproveitável. Um dos projetos que desenvolvo, de produção de telhas a partir
de PET [politereftalato de etileno, utilizado na fabricação de embalagens e
outros produtos], eu trouxe de Manaus, porque lá não era viável por falta
de plástico selecionado".
Em seu galpão, o presidente
da ONG conta que processa mil toneladas de material reciclado por mês, mas a
falta de oferta o impede de vender o dobro disso de matéria-prima para fábricas
como a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev), que usa suas PETs na produção
de garrafas 100% recicladas, que corresponderam a 28% da produção em 2012 e devem
chegar a 40% em 2013. No ano passado, a companhia reutilizou 60 milhões de PETs
na produção, número que deve saltar para 130 milhões neste ano, com a
autorização da Anvisa para o uso de material reciclável em mais três fábricas
da empresa, somando seis homologadas.
A produção de PET a partir
de material reciclável economiza 70% de energia e reduz em 70% a emissão de gás
carbônico na atmosfera. Além das PETs, a Ambev também produz, em sua fábrica de
vidro, sete em cada dez garrafas desse material inteiramente com cacos
reciclados, sendo 88% deles provenientes da própria cervejaria e 12% de
cooperativas.
O problema da falta de material de que Freitas se queixa, no entanto, não é
causado só pela escassez de planos municipais. Para Vilhena, é preciso maior envolvimento da população:
"Temos que melhorar o engajamento do cidadão brasileiro nos programas de
coleta seletiva, que ainda estão aquém do desejado".
Edson Freitas destaca que é preciso uma mudança de pensamento em
relação aos materiais recicláveis: "nem chamo de lixo uma PET ou
uma embalagem de papelão, porque não são lixo. Têm o mesmo valor que tinham
quando o produto estava armazenado dentro delas. É só limpar que continua a ser
material com valor comercial e utilidade".