Luz no túnel
Combater
a depressão, uma das doenças mais comuns no mundo, já é um problema de saúde
pública. Uma nova terapia mexe com resistências antigas por ser uma evolução do
tratamento por eletrochoque.
(REVISTA
PLANETA, Edição 493 – Novembro 2013)
Muitos
precisam de tratamento rápido e eficaz para a depressão. Combater a depressão
já é um problema de saúde pública. Até 2030, essa será a doença mais comum no
mundo. Uma nova técnica não medicamentosa surge como terapia, mas mexe com
resistências antigas por ser uma evolução do tratamento por eletrochoque.
Desde
a Grécia Antiga, há mais de 2.500 anos, a eletricidade tem sido
usada para tratamentos de saúde. Como não existia a energia que
acende lâmpadas e movimenta elevadores, os gregos usavam enguias e
peixes elétricos sobre a testa do paciente. O conceito, portanto, não
é nada novo, mas as formas como essa terapia é aplicada evoluíram
muito desde então. Uma nova técnica está lançando luz no fim do túnel
escuro da depressão.
Não
se trata de um alento apenas para os deprimidos, mas para toda
a sociedade, que precisa lidar com previsões deprimentes para as
próximas décadas. Em 2030, a depressão deve atingir mais pessoas no
mundo do que qualquer outra doença, superando a incidência de ataques
cardíacos e câncer, segundoa Organização Mundial da Saúde (OMS). No
Brasil já são 38 milhões de pessoas afetadas. Os casos mais graves
incluem uma vida em estado lamentável e mortes prematuras, pois a
depressão pode levar ao suicídio.
A
novidade, chamada de “convulsoterapia magnética”
(magnetic seizure therapy, MST, em inglês), já está em fase
experimental na América do Norte e na Europa. Em 2014, o Brasil pode
entrar para o grupo de países participantes desses testes para
aprovação do método. “Estamos avaliando uma proposta de adquirir a
máquina para participar desse ensaio clínico multicêntrico”, revela
André Brunoni, coordenador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação
do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da USP.
As
pesquisas em MST estão sob o comando do canadense Jeff
Daskalakis, referência mundial na área, que abriu, em novembro de
2012, uma clínica especializada em Toronto, o Cen tre for Therapeutic
Brain Intervention. Para entender essa forma de tratamento, é importante
conhecer duas outras técnicas já utilizadas em larga escala: a
estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) e a
eletroconvulsoterapia (ECT), mais conhecida como eletrochoque
eletrochoque.
Comumente
estigmatizada pelo uso equivocado e punitivo no passado, mostrado nos
filmes Bicho de Sete Cabeças, com Rodrigo Santoro, e Um Estranho no
Ninho, com Jack Nicholson, a terapia por meio de choques
elétricos evoluiu muito em relação aos seus primórdios, nos anos
1930. Os resultados são alcançados logo na primeira
semana, diferentemente dos remédios antidepressivos, que podem levar
semanas para fazerem efeito. Ela é geralmente aplicada nos casos em
que as medicações psiquiátricas não obtêm nenhuma resposta do
paciente, cerca de 20%. Sua eficácia hoje é incontestável, por isso é
a técnica mais indicada para casos graves, em que o risco de suicídio
é iminente. A ECT obtém boas respostas em 80% a 90% dos casos e 50%
dos pacientes alcançam remissão (eliminação dos sintomas).
Antes
de receber os choques, o paciente é anestesiado. A descarga
elétrica enviada ao cérebro causa convulsões, que, acredita-se,
provocam a liberação dos neurotransmissores e hormônios, carentes
nos deprimidos. Os neurotransmissores – como serotonina, noradrenalina
e dopamina – são moléculas responsáveis pela comunicação entre
os neurônios, as células do sistema nervoso. “A contraindicação
nesse caso é a necessidade de anestesia e os déficits cognitivos, como
desorientação e perda de memória”, explica Brunoni.
Quando
se trata da EMTr, a proposta é remodelar a atividade cerebral por
meio de estímulos elétricos. Um braço da máquina é posicionado
sobre a área da cabeça a ser atingida. Dentro dele estão as bobinas, as
quais geram um campo magnético que penetra pela caixa craniana e
estimula as células do cérebro sem causar dor nem ferimento. A
corrente elétrica se espalha pela região que está hipoativa,
causando a depressão.
Efeitos
colaterais
“A
técnica é supersegura. Dois dos poucos efeitos adversos são dores
de cabeça leves e um pequeno zumbido no ouvido. O maior problema
mesmo é que nem todo mundo responde ao tratamento”, resume Marco
Antônio Marcolin, Ph.D. pela Universidade de Illinois (EUA). Segundo
estudos comparativos produzidos de 1996 até hoje, os resultados do
EMTr são iguais ou melhores que os antidepressivos em altas doses.
A técnica só foi reconhecida no Brasil, pelo Conselho Federal de
Medicina (CFM), em maio de 2012, para tratamento psiquiátrico de
depressão uni e bipolar e alucinações auditivas na esquizofrenia.
Aliando
a segurança desse procedimento à efetividade da eletroconvulsoterapia, surge
a convulsoterapia magnética, ou MST. Como o sistema de campo
magnético tem uma ação mais localizada, ela evita que a atividade elétrica
se espalhe por outras áreas do cérebro, associadas aos efeitos
colaterais da ECT. Segundo Daskalakis, os testes com a
convulsoterapia magnética têm mostrado ausência dos efeitos
colaterais e as respostas ao tratamento têm sido altas.
Obviamente,
ainda é cedo para saber quanto custará uma sessão de MST no Brasil. A
de EMTr custa cerca de R$ 350, e desde dezembro de 2012, passou a ser
coberta por planos de saúde; a de ECT, R$ 500, e é oferecida pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). No primeiro mês, o preço do tratamento
pode ser alto, pois são necessárias várias sessões por semana,
sobretudo com EMTr.
Na fase de manutenção, a frequência é bem
reduzida. No caso dos tratamentos com remédios, os gastos dependem da
dosagem receitada para cada paciente, mas chegam facilmente a R$ 500
por mês em casos graves e moderados. Nisso não estão incluídos
medicamentos indiretos para alteração do sono e do apetite, redução
da libido, náusea, tontura e tremores, os efeitos colaterais mais
comuns dos antidepressivos. Além disso, o uso dos fármacos pode durar
anos ou toda a vida. Entretanto, com ou sem efeitos colaterais, as
terapias oferecem saída a curto prazo para a depressão.
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