Produto Cancerígeno
Comissão
estuda ampliar vigilância à saúde de trabalhadores expostos ao benzeno. Protocolo
utilizado, criado em 2001, deve ser atualizado com a inclusão de mais um
parâmetro para quantificar a exposição ao solvente que pode causar doenças
graves. Os frentistas estão entre os trabalhadores com a saúde mais afetada
pelo benzeno.
(Por
Cida de Oliveira, da RBA - 26/07/2014)
São
Paulo – Ao abastecer um carro, o frentista está exposto aos vapores de diversas
substâncias que compõem a gasolina, entre elas, o benzeno. A exposição torna-se
maior com outras atividades no posto, como transferir para reservatórios
subterrâneos o combustível trazido da distribuidora e se acumula conforme o
tempo de serviço nesses ambientes. Não há "paninho" em volta da
mangueira que dê jeito.
"É
comum trabalhador reclamando de dor de
cabeça, cansaço, tontura, irritação nos olhos e na pele, ânsia de vômito.
Além de tudo isso, as frentistas correm outros perigos. A gente sabe que, durante a gravidez, o benzeno pode até
causar abortos e mal formações" diz o secretário-geral do Sindicato
dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo de
Campinas e Região (Sinpospetro), Raimundo Nonato de Souza, o Biro.
De
acordo com o dirigente, os trabalhadores, mesmo assim, seguem firmes no
trabalho. "Faltam só quando o caso se agrava para uma doença séria. O
problema é que, quando isso acontece, não conseguem comprovar que a doença
começou no trabalho e dificilmente vão conseguir a aposentadoria especial de
direito", ressalta Biro.
Assim
como os frentistas, trabalhadores da
extração e refino de petróleo, petroquímicas, siderúrgicas e outras empresas
que utilizam benzeno na produção estão expostos aos riscos à saúde causados
pelo agente químico. Volátil, inflamável e explosiva, essa substância
derivada do petróleo, também presente em óleos lubrificantes, querosene,
solventes, tintas, asfalto e na queima de carvão mineral, pode causar males
ainda mais graves que os listados por Biro: com o passar do tempo, podem levar a dificuldades respiratórias,
convulsões, perda de consciência e diversas doenças no sangue que podem matar,
como a leucemia.
Todo
esse dano à saúde é conhecido desde a década de 1930, mas só em 1994 o governo
brasileiro incluiu na categoria dos agentes cancerígenos a substância para a
qual não existe limite seguro de exposição. No ano seguinte, trabalhadores,
governo e empregadores brasileiros assinaram o Acordo do Benzeno.
O
documento instituiu a Comissão Nacional
Permanente do Benzeno, com comissões regionais e toda uma legislação para
regulamentar a produção, uso e a segurança dos trabalhadores. Entre elas, a
permissão do uso somente em setores nos quais o agente ainda não pode ser
substituído, como extração e refino de petróleo, petroquímicas, indústrias
gráficas, calçadistas, de couro, tintas e vernizes.
"Outro
avanço trazido é a obrigatoriedade de cadastramento dessas empresas, que ficam
obrigadas também a acompanhar periodicamente a saúde dos trabalhadores do
setor. A cada seis meses, eles fazem exame de sangue", explica a
tecnologista Elisabeth Aparecida Trevisan, da Fundação Jorge Duprat e
Figueiredo (Fundacentro), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego.
Quando
o teste traz alterações ou em caso de acidentes, como vazamentos, o trabalhador
é submetido a um exame que mede a exposição ao benzeno no ambiente de trabalho
e permite estimar o risco ao levar em conta as formas de exposição e de
absorção pelo organismo – o chamado indicador biológico de exposição.
Trata-se
de uma substância bioquímica, constituinte do próprio organismo, cuja
concentração (ou atividade) em tecidos, no sangue, na urina ou mesmo no ar
exalado tem relação com a exposição ambiental a um determinado agente tóxico.
No caso do benzeno, ao ser inalado ou absorvido pela pele é transformado no
fígado – a biotransformação – e excretado na urina.
Atualmente,
o indicador utilizado no Brasil para o benzeno é o ácido trans, transmucônico
na urina (AttM-U), que substituiu um mais antigo, chamado fenol urinário, que
demonstrou ter baixa sensibilidade quando a concentração do benzeno no ar é
baixa, inferior a 1,0 ppm. Entre as vantagens do AttM-U estão a sensibilidade e
a simplicidade de análise. Porém, estudos mostram que esse indicador é
'mascarado' por fatores ambientais e individuais, como o hábito de fumar,
alimentação e até mesmo aspectos genéticos.
Isso
porque substâncias presentes no cigarro
(entre elas o próprio benzeno), nas bebidas, em alguns conservantes
alimentícios e até certas características genéticas podem interferir na
biotransformação e alterar o resultado. "Isso prejudica o trabalhador
porque muitas vezes o empregador questiona os resultados dos exames, alegando
que o trabalhador não foi exposto ao benzeno e sim que fumava demais ou tinha
problemas na alimentação", aponta Newton Siqueira, diretor do Sindicato
dos Químicos da Bahia.
Existem
outros indicadores biológicos de exposição ao benzeno, como o ácido fenil
mercaptúrico, que é avaliado por médicos do trabalho para a possível inclusão
no Protocolo para Utilização de Indicador Biológico da Exposição Ocupacional ao
Benzeno. Instituída pela Portaria 34, de dezembro de 2001, a diretriz ainda não
foi atualizada.
Para
discutir as vantagens e desvantagens dos indicadores disponíveis, trabalhadores
e representantes dos ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e de
empregadores estiveram reunidos no começo desta semana, na sede da Fundacentro,
em São Paulo. "Essa discussão é importante para aprimorarmos a
quantificação e qualificação da exposição, com parâmetros que associem entre si
todos os efeitos tóxicos do benzeno sobre o trabalhador. Sem isso, fica
impossível estabelecer o nexo entre a doença e a exposição a agentes tóxicos no
ambiente de trabalho", explica a professora do Departamento de Análises
Clínicas e Toxicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
A
pesquisadora e professora de Toxicologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Solange Garcia, destaca que, nos últimos anos, aumentou o número de
estudos para avaliar os prós e contras dos diversos marcadores biológicos.
"Seja qual for (o marcador biológico), seus dados mostram que a exposição,
mesmo em baixas concentrações, traz muitos prejuízos à saúde, o que reforça a
necessidade de aprimoramento da vigilância para que os problemas não venham a
ser detectados quando pouco se pode fazer pela qualidade de vida de um
trabalhador que adoece", diz.
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