Prezados Leitores, ainda que tenha passado a data deste marco na Ciência, creio que seja interessante compartilhar com vocês sobre este projeto.
Pontapé inicial da
Copa 2014 é dado por paraplégico usando veste robótica
(FINEP
- 11/6/2014)
O
Projeto Andar de Novo apresentou ao mundo pela primeira vez uma das grandes
conquistas até aqui: durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo, em 12 de
junho, na Arena Corinthians, em São Paulo, um jovem adulto paraplégico deu um
chute simbólico usando um exoesqueleto, ou veste robótica, controlado pela sua
atividade cerebral. É só o começo – como acredita o neurocientista Miguel
Nicolelis, líder do projeto – de um futuro em que pessoas com paralisia poderão
abrir mão de cadeiras de rodas e, literalmente, andar de novo. O projeto é
financiado pela Finep – Inovação e Pesquisa - , empresa pública do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), no valor de cerca de R$ 33 milhões.
SOBRE A PESQUISA
Projeto
Andar de Novo
Criação:
2007
Consórcio:
universidades e institutos de pesquisa no mundo todo. É liderado no Brasil pelo
IINN-ELS (Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily
Safra) e conta com a parceria da AACD (Associação de Assistência à Criança
Deficiente)
Equipe:
um time de mais de 150 pessoas, de 25 nacionalidades
O
Projeto Andar de Novo é um consórcio formado por centenas de pessoas de
universidades e institutos de pesquisa do mundo todo, cujo comando científico é
do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. São cientistas e especialistas,
de 25 nacionalidades de todos os continentes. O objetivo do projeto é
desenvolver uma tecnologia de interface cérebro-máquina que permita pessoas com
mobilidade restringida – como paraplégicos – a voltar a andar usando a mente
para controlar um equipamento externo, que substituiria os membros inferiores.
Dezenas de trabalhos científicos publicados nas melhores revistas do mundo
embasam a estratégia escolhida para executar o projeto.
Em
maio de 2014 foi concluída a fase de testes. Desta forma, todos os objetivos
científicos, clínicos e tecnológicos dessa fase do projeto foram alcançados. Os
resultados serão apresentados à comunidade científica por meio de publicação em
revistas científicas nos próximos meses.
No
Brasil, a operação do Andar de Novo é liderada pelo IINN-ELS (Instituto
Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra) e conta com a
parceria da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), em São
Paulo. Em janeiro de 2013, o projeto recebeu investimento da FINEP
(Financiadora de Estudos e Projetos), que propiciou os recursos necessários
para a realização desta fase do projeto no IINN-ELS e a criação nas novas
instalações de um laboratório em São Paulo, onde a equipe reunida por Miguel
Nicolelis trabalha diuturnamente no desenvolvimento de uma nova forma de
neuroreabilitação e de um exoesqueleto.
Fase
1: desenvolvimento da interface cérebro-máquina
Miguel
Nicolelis atua na área da neurociência desde 1984. A partir de 2001, no Centro
de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos,
o cientista brasileiro idealizou linhas de pesquisa que pudessem produzir novas
tecnologias assistivas para reestabelecer o controle motor e a sensibilidade
tátil em pacientes que sofrem lesões na medula espinhal ou neurológicas que
geram um grau severo de paralisia.
Muitos
testes foram realizados para criar um mecanismo de troca de sinais entre o
cérebro e um artefato robótico que pudesse ajudar uma pessoa a se movimentar. A
primeira etapa do projeto consistiu no desenvolvimento da chamada interface
cérebro-máquina, ou seja, uma tecnologia que possibilitasse a leitura de sinais
elétricos produzidos por neurônios do cérebro e a captura, a partir desses
sinais, de um controle motor que pudesse ser usado pela máquina. Depois foi
necessário mandar os sinais de volta do robô para o cérebro, fechando assim o
ciclo de controle.
As
primeiras observações foram feitas em ratos e macacos na Universidade de Duke.
Os animais conseguiram mover braços robóticos ou virtuais apenas com sinais
registrados no cérebro e usá-los para manipular objetos. Em outro estágio do
desenvolvimento das pesquisas, pela primeira vez esses animais conseguiram
diferenciar texturas diferentes dos objetos, por meio da estimulação elétrica
dos seus cérebros.
Fase
2: o exoesqueleto
O
exoesqueleto é a materialização tecnológica mais avançada das pesquisas da fase
1 e foi concebido para permitir a interação do cérebro em tempo real com essa
veste robótica. Testes desse primeiro protótipo foram concluídos com sucesso no
último dia 28 de maio: o exoesqueleto, sobre comando da atividade cerebral de
um operador, realizou movimentos naturais e fluidos que produziram, em todos os
pacientes, a sensação de que eles estavam caminhando com as próprias pernas.
A
veste robótica é o resultado de anos de trabalho por uma equipe internacional
de cientistas e engenheiros. As pesquisas para o seu desenvolvimento começaram
em 1999 e contaram com uma evolução gradativa até a fase atual. O trabalho de
robótica foi coordenado por Gordon Cheng, da Universidade Técnica de Munique,
em colaboração com uma equipe de engenheiros e pesquisadores. O sistema foi
desenvolvido na França e testado no Brasil.
O
tamanho da sua representatividade para a ciência brasileira está expresso no
nome escolhido para a máquina: BRA-Santos Dumont I, em homenagem a quem Miguel
Nicolelis considera o maior cientista brasileiro de todos os tempos. Funciona
como um controle compartilhado, em que o cérebro gera mensagens que expressam o
desejo voluntário motor do operador, como por exemplo “eu quero andar”, “eu
quero parar”, “eu quero chutar a bola”. Esses comandos mentais interagem com os
controles das articulações do exoesqueleto para fazer com que os movimentos
sejam gerados. O exoesqueleto está equipado com vários giroscópios que impedem
quedas durante o movimento.
Fase
3: sensação tátil de andar novamente
Para
que o ato de caminhar seja o mais próximo da realidade, é importante que o
paciente tenha também restabelecida a sensação tátil nos membros paralisados.
Para isso, foi desenvolvido uma tecnologia de feedback tátil, ou pele
artificial, peça fundamental para reestabelecer a sensação de tato e
propriocepção (capacidade de reconhecer a localização espacial do corpo) dos
membros inferiores dos pacientes que usarão o exoesqueleto para caminhar
novamente.
A
pele artificial, desenvolvida pelo grupo de pesquisadores de Gordon Cheng, é
formada por placas flexíveis de circuitos integrados, cada uma delas
contendo sensores de pressão, temperatura e velocidade. Ela é aplicada na
planta dos pés para que o paciente, ao andar com o exoesqueleto, receba, a cada
toque dos pés no chão, um estímulo tátil enviado a uma região da parte superior
do corpo, como os braços.
Com
essa transmissão dos pés para os braços, o cérebro dos pacientes é induzido a
remapear as sensações táteis e reestabelecer a sensação de pisar o chão
caminhando como se não possuísse paralisia. Uma camisa, que o paciente vestirá
durante a demonstração na cerimônia de abertura da Copa do Mundo, permitirá que
ele receba as informações táteis gerada pela pele artificial na superfície dos
braços. Essa camisa foi desenvolvida pelo grupo do Dr Hannes Bleuler, da EPFL,
em Lausane, Suíça.
Fase
4: os testes com pacientes
Os
primeiros testes clínicos do grupo de oito pacientes começaram a ser realizados
em janeiro de 2014, no laboratório AASDAP/AACD, inaugurado em novembro de 2013
em São Paulo. Os procedimento de treinamento clínico foram coordenados por uma
equipe clínica liderada pela médica brasileira Lumy Sawaki, da Universidade do
Kentucky. Inicialmente, esses pacientes interagiram com um simulador virtual,
gerado por computador. Nesse ambiente, os pacientes puderam usar um simulador
robótico de marcha que os permitiu andar sobre uma esteira ao mesmo tempo em
que viam, usando um óculos de realidade virtual, um avatar que reproduzia os
mesmos movimentos.
Durante
esse treinamento, os pacientes também receberam feedback tátil dos passos do
avatar por meio da pele artificial que emite impulsos vibratórios mecânicos na
região do corpo em que eles têm sensibilidade, como o antebraço, por exemplo.
Com isso, seus cérebros aprenderam novamente a sentir as pernas e pés. Os
testes também incluíram simulações em um ambiente virtual com os mesmos ruídos
verificados numa partida de futebol com o estádio lotado.
Após
a conclusão dos testes virtuais, começaram os treinamentos com o exoesqueleto.
A interface cérebro-máquina é feita por meio de uma touca com eletrodos que
captam os sinais elétricos do couro cabeludo, com a técnica do
eletroencefalograma (EEG), de forma não invasiva. De acordo com Miguel
Nicolelis, esse procedimento é suficiente para impulsionar, com o exoesqueleto,
a realização de movimentos de membros inferiores. Os sinais cerebrais dos
pacientes que usaram o exoesqueleto foram processados em tempo real,
decodificados e utilizados para mover condutores hidráulicos.
No
dia 29 de abril de 2014 um dos pacientes conseguiu dar os primeiros passos com
a veste robótica, usando somente o cérebro para os comandos. Até o dia 20 de
maio, os pacientes já tinham dado, em média, 120 passos com o exoesqueleto cada
um. Agora estão previstos testes em ambiente semelhante ao da abertura da Copa
do Mundo.
Demonstração
na Copa do Mundo
Na
cerimônia de abertura da Copa do Mundo haverá uma demonstração de todas as
tecnologias produzidas pelo projeto Andar de Novo nos últimos 17 meses. Um dos
oito pacientes da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) que
participaram dos testes clínicos será encarregado de um “chute simbólico” da Brazuca
(nome da bola oficial do torneio) movimentando o exoesqueleto somente com a
atividade cerebral, assim como ocorreu no laboratório na fase de testes com
humanos.
A
iniciativa será uma apresentação da pesquisa e não faz parte do estudo
científico. O objetivo é aproximar a ciência da população brasileira e de todo
o mundo: uma audiência estimada na casa dos bilhões de pessoas assistirá ao
momento em que o cérebro humano – e a ciência brasileira – darão um dos seus
maiores passos.
Para
realizar essa proeza, todo o sistema desenvolvido pelo projeto Andar de Novo
passou por inúmeros testes de segurança, um deles realizado em 15 de março no
estádio do Pacaembu. No gramado, neuroengenheiros do projeto obtiveram
registros da atividade elétrica cerebral antes, durante e após a partida
Palmeiras x Ponte Preta, pelo Campeonato Paulista.
No
dia 4 de abril de 2014, o secretário-geral da Fifa Jérôme Valcke manifestou
apoio ao Projeto Andar de Novo por meio de artigo publicado no portal da
entidade. Segundo ele, “a FIFA está trabalhando em estreita colaboração com a
equipe do professor Nicolelis para mostrar ao mundo, pela primeira
vez, durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo, uma pessoa com paralisia
andar em campo”.
Próximos
passos
O
Projeto Andar de Novo não tem o objetivo de fazer apenas a demonstração na
abertura da Copa do Mundo de 2014. Ao contrário, a equipe de Miguel Nicolelis e
todos os envolvidos seguirão trabalhando no aperfeiçoamento da tecnologia. O
dia 12 de junho, portanto, é só o começo de um futuro em que a veste robótica
evolua a ponto de permitir que qualquer pessoa com paralisia possa andar
livremente se torne acessível. E o Mundial de futebol será um marco para
mostrar ao mundo que o projeto está caminhando nessa direção.