MARCHA INTERNACIONAL
CONTRA A MONSANTO
Autismo,
Parkinson, Alzheimer, anencefalia, câncer. O que o glifosato tem a ver com
isso? Na
propaganda, é pouco tóxico. Mas estudos mostram que o agrotóxico mais usado no
mundo altera a produção e a ação de aminoácidos, vitaminas e minerais que
protegem o organismo desses e outros males
(Por Cida
de Oliveira, da RBA 20/05/2017 e 22/05/2017)
INTERNATIONAL
MARCH AGAINST MONSANTO: A marcha internacional deste ano teve como tema os
efeitos nocivos do glifosato, o agrotóxico mais vendido no mundo.
São
Paulo – Milhares de ativistas em mais de 30 países, em todos os continentes,
foram às ruas (20/ 05) na 6ª Marcha Internacional
contra a Monsanto, gigante do setor agroquímico e de biotecnologia de origem
norte-americana. O alvo das manifestações, dessa vez, é o Roundup, nome comercial
do agrotóxico mais vendido no mundo. Seu princípio ativo, o glifosato, vem
sendo usado cada vez mais desde meados da década de 1970, com a entrada no
mercado das sementes transgênicas, a grande maioria delas produzidas pela
própria Monsanto. Com a suposta promessa de maior produção, essas sementes
foram geneticamente modificadas para resistir a doses cada vez maiores desse e
de outros venenos.
Os
manifestantes querem chamar atenção para a presença indesejável, nociva e cada
vez maior de resíduos não só nos grãos, legumes, verduras e frutas que recebem
esse agrotóxico como também em amostras de água da chuva, no leite materno, em
fórmulas para alimentação infantil e até em vacinas.
O
tema é de grande importância para o Brasil, que tornou-se o maior consumidor de
agrotóxicos do mundo. Nos últimos dez anos, segundo o IBGE, a venda de
pesticidas no mercado agrícola brasileiro saltou de R$ 6 bilhões para R$ 26
bilhões, o que permitiu ultrapassar a marca de 1 milhão de toneladas – um
consumo médio de 5,2 kg de veneno para cada habitante. Para piorar o quadro,
avançam projetos de lei que pretendem incentivar
ainda mais esse mercado.
Estudos que a indústria e muitas agências
governamentais tentam ignorar ou até mesmo desqualificar apontam que
o advento do glifosato está associado ao crescente registro de doenças
pouco comuns até o produto passar a ser largamente utilizado. São diversos
tipos de câncer, alterações neurológicas, endocrinológicas, digestivas e
intestinais direta ou indiretamente associadas a distúrbios degenerativos e do
desenvolvimento, como no Mal de Parkinson e no autismo, e malformações
congênitas, como a microcefalia e anencefalia, entre outras igualmente graves,
incapacitantes e mortais.
Anencefalia
Recentemente,
o chamado caso Yakima Valley, no estado norte-americano de Washington, chamou
atenção para o aumento incomum de nascimento de bebês com anencefalia, condição
neurológica caracterizada pelo cérebro em tamanho bem menor que o normal para a
idade, que coloca em risco a vida e o desenvolvimento motor e cognitivo.
Segundo o próprio departamento estadual de Saúde, os registros
aumentaram 8 vezes entre os anos de 2010 e 2013, tornando-se quatro vezes
maior que a média nacional. E isso pouco tempo depois que o estado implementou
um programa de capina química à base de glifosato, que contaminou
rios.
O
estabelecimento da relação com o câncer sofre reveses conforme pressões do
fabricante sobre as agências que deveriam zelar pela saúde pública. Em março
passado, um juiz distrital dos Estados Unidos determinou a divulgação de documentos que comprovam que, na década de
1980, a Monsanto influenciou a agência de proteção ambiental do país para
esconder, entre outras coisas, estudos sobre o potencial carcinogênico do
veneno.
Há
ainda estudos famosos, como os chefiados por Gilles-Eric Séralini, da
Universidade de Caen Normandie, na França, que constataram danos ao fígado e
rins e distúrbios hormonais em ratos alimentados com o milho transgênico NK603,
da Monsanto. E que além desses efeitos graves, foi detectado o desenvolvimento
de inúmeros tipos de tumores. Essas sementes foram desenvolvidas justamente
para resistir a banhos de glifosato.
Tamanha
repercussão levou a Monsanto a agir, desqualificando a pesquisa e exigindo, via
pressão nos bastidores, a exclusão da publicação na revista Food and Chemical Toxicology, que teve
seu corpo editorial reformulado com a entrada de um nome forte por ela indicado. Acabou
que os mesmos resultados foram depois publicados em detalhes na Environmental Sciences Europe, mostrando todos os
danos causados.
Mecanismo
de ação
"Entre
os mecanismos de ação do glifosato sobre as estruturas do organismo humano mais
conhecidos estão a interferência de suas moléculas sobre a produção e a ação de
aminoácidos, vitaminas e minerais essenciais para o bom funcionamento do corpo,
e cujo déficit está associado a alterações que levam ao surgimento dessas
doenças", afirma o agrônomo e consultor José Luiz Moreira Garcia. Graduado
pela Escola Nacional de Agronomia do Rio de Janeiro, hoje incorporada à
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Com
mestrado em Fisiologia Pós-Colheita pela Universidade Estadual do Michigan, nos
Estados Unidos, e em Fisiologia e Bioquímica de Plantas pela USP, estuda há 20
anos nutrição e saúde humana. O interesse pelo glifosato surgiu em
palestras com pesquisadores norte-americanos, como o professor emérito da
Universidade de Purdue, em Indiana, e Stephanie Seneff, do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT).
"Pedra
nos sapatos" da Monsanto, ambos têm inúmeros estudos que apontam o
envolvimento do Roundup em diversas doenças. Em parceria com o pesquisador
norte-americano Anthony Samsel, Seneff desenvolveu pesquisas que
classificam o glifosato como o mais importante agente causador da epidemia
da doença celíaca, causada por inflamações intestinais que levam a deficiências
nutricionais, alterações no sistema reprodutivo, inclusive infertilidade, e
aumentam as chances de desenvolvimento de doenças na tireóide, insuficiência
renal e também o câncer. Inflamações essas muito semelhantes àquelas encontradas
por outros estudos que constataram alterações em bactérias intestinais de
peixes expostos a esse herbicida.
Em
cinco trabalhos que revisou todas as pesquisas feitas até então, a
dupla Samsel & Seneff encontrou elevadas correlações entre as
quantidades usadas de glifosato e a incidência de Alzheimer e Parkinson. Há
inclusive uma apresentação que ela disponibiliza na
internet. Em inglês acessível, traz muita informação para os mais interessados.
Autismo
Segundo
explica Garcia, o organismo humano e dos animais depende do chamado microbioma
intestinal, ou flora intestinal, composto por trilhões de células de dezenas de
milhares de espécies de bactérias e leveduras – todos eles afetados pela ação
do glifosato.
"Essa
flora intestinal, que evoluiu com o ser humano por bilhões de anos, é
constituída por 9 trilhões de células, quando todas as células do nosso corpo
somam 1 trilhão. É por isso que somos considerados apenas 10% humanos pela
escritora inglesa Alanna Collen", diz. "Esses 90% do nosso corpo
não humano são afetados por essa substância."
Esta
constatação é a relação mais robusta entre o autismo e o glifosato. Conforme o
agrônomo, estudos mostram que crianças autistas têm níveis reduzidos de
manganês no sangue, um mineral do qual os lactobacillus e outros
microorganismos que colonizam o microbioma intestinal são extremamente
dependentes.
Além
disso, o manganês atua no processo de conversão dos aminoácidos glutamato a
glutamina, essenciais na redução do nível de amônia que no cérebro causam
alterações, as chamadas encefalopatias. "Crianças autistas têm problemas
de encefalopatia crônica de baixo grau", afirma Garcia. Outra evidência
vem de uma pesquisa de 2012, que aponta baixo teor de manganês na primeira
dentição associado ao autismo.
Os
prejuízos aos níveis de manganês, bem como de outros minerais vitais à
saúde – o cobalto, ferro, zinco, cobre, selênio, cálcio, magnésio, enxofre e
molibdênio – são reconhecidos pela Monsanto. "Em uma das três diferentes
patentes para a molécula original, a companhia alega que o glifosato é um
poderoso quelatizante capaz de bloquear esses minerais."
Parkinson e depressão
Na
segunda patente, segundo Garcia, a Monsanto afirma que o glifosato interfere em
uma via bioquímica do metabolismo vegetal que participa da síntese de alguns
aminoácidos importantes tanto para as plantas como para o organismo humano. É o
caso do triptofano, que o cérebro utiliza para produzir serotonina, mais
conhecido como o hormônio do bem estar, a fenilalanina, que entra na composição
de muitas proteínas necessárias para o organismo, e a tirosina, que atua na
produção de neurotransmissores envolvidos em funções neurológicas relacionadas
a funções cognitivas, de memória e humor, entre outras. Daí estar associado a
quadros cada vez mais comuns de Parkinson.
"E
ao bloquear a síntese desses aminoácidos, o glifosato impede a produção de
alguns neurotransmissores, como a serotonina.Vale dizer que a falta de
serotonina produz depressão, uma verdadeira epidemia em nossos dias. E
depressão é deficiência de serotonia. Não de antidepressivos", ressalta o
agrônomo.
Já
na terceira patente, a Companhia declara que o glifosato tem ação
antibiótica."A essa altura, fica claro que se a pessoa ingerir, por tempo
indeterminado, um antibiótico que mata a maioria das formas de vida
microbiológicas e um quelatizante, haverá consequências nunca antes aventadas
na história da Medicina".
O
especialista acredita ainda que um dos principais efeitos deletérias do
componente ativo do Roundup é confundir o organismo, já que sua molécula tem
configuração e ação muito semelhante à glicina, um aminoácido que atua na
nutrição de algumas células."Isso permite que ele substitua a glicina,
sendo incorporado a inúmeras proteínas e enzimas, alterando assim a sua
conformação estrutural e espacial. Então esse aminoácido fake afeta a vida no
seu princípio mais básico ao deixar de cumprir funções básicas que somente a
original pode desempenhar".
Uma
outra teoria que ele defende é que o glifosato afetaria as enzimas do sistema
hepático com papel de desintoxicar o organismo da ação de toxicinas externos.
"Ao afetar esse importante mecanismo, a substância contribuiria,
indiretamente, para a nossa intoxicação. Mas essa evidência necessita ser ainda
melhor estudada".