Zika pode lesar o
cérebro de bebês mesmo no fim da gestação
(Por Karina Toledo - Agência FAPESP. 16 de setembro
de 2016)
Um estudo brasileiro publicado na revista Clinical
Infectious Diseases revelou que a
infecção de gestantes pelo vírus Zika pode representar um risco para o
desenvolvimento neurológico dos bebês mesmo quando ocorre poucos dias antes
do nascimento.
“Predominava, até então, o paradigma de que a infecção seria
preocupante somente se ocorresse no primeiro trimestre da gestação. No entanto,
observamos danos cerebrais em quatro crianças cujas mães foram infectadas
faltando entre duas e uma semana para o parto”, afirmou Maurício Lacerda
Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp)
e integrante da Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo (Rede Zika).
Com apoio da FAPESP, um grupo de 55 mulheres com
diagnóstico confirmado de Zika durante a gestação – por meio de testes
moleculares do tipo PCR em tempo real – tem sido acompanhado no Hospital de
Base de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. À medida que os bebês
estão nascendo, também estão sendo submetidos a exames detalhados.
Em quatro das crianças expostas ao patógeno no último
trimestre de desenvolvimento, exames de imagem revelaram a presença de lesões
no sistema nervoso central características de infecções congênitas por vírus.
Além disso, no momento do nascimento, foi possível detectar o Zika ainda ativo
na urina e no sangue dos bebês – o que confirma ter havido transmissão vertical
(da mãe para o feto) do vírus. Dois desses casos foram relatados no artigo.
“Esses bebês nasceram com peso e altura normal, não tinham
microcefalia ou qualquer outro sintoma da doença. As lesões teriam passado
despercebidas pelos profissionais de saúde se as mães não fizessem parte de um
grupo de estudo”, comentou Nogueira.
Segundo o pesquisador, o tipo de lesão observada – como, por
exemplo, a vasculopatia lentículo-estriada (estrias ou manchas visíveis por
meio de ultrassom) – não está associado a manifestações graves em outras
situações previamente estudadas. Porém, as implicações no desenvolvimento
neurocognitivo dessas crianças infectadas pelo Zika ainda são desconhecidas.
“Agora, pretendemos acompanhar o desenvolvimento dos bebês
durante alguns anos e observar se haverá algum prejuízo. Essa descoberta revela
mais um espectro da doença e a torna ainda mais complexa. Não existem apenas os
casos dramáticos de microcefalia, mas também outras manifestações menos graves,
que precisam ainda ser melhor compreendidas”, disse Nogueira.
Zika em transplantados
Em outro artigo publicado por pesquisadores da
Famerp no American Journal of Transplantation, foram descritas – pela
primeira vez no mundo – as manifestações do vírus Zika em pacientes submetidos
previamente a transplante de órgãos. O estudo também foi coordenado por
Nogueira no âmbito da Rede Zika.
Como explicou o pesquisador, esses pacientes fazem uso
contínuo de drogas imunossupressoras para evitar que o tecido doado seja
rejeitado pelo organismo. Isso torna qualquer quadro infeccioso mais delicado e
aumenta o risco de complicações.
“Como São José do Rio Preto é um dos maiores centros
transplantadores do interior, e também um grande foco de dengue, temos feito há
alguns anos o acompanhamento detalhado dos receptores de órgãos que manifestam
sintomas de doença febril. Quando emergiu a epidemia de Zika, passamos a
investigar quais desses casos suspeitos de dengue eram, na verdade, infecções
por Zika”, contou.
Em dois pacientes que receberam transplantes renal e outros
dois submetidos a transplante hepático, o diagnóstico de Zika foi confirmado
por testes moleculares feitos no Hospital de Base. Todos tiveram de ser
internados e apresentaram quadros que se prolongaram em decorrência de
complicações como infecção bacteriana. A boa notícia é que todos sobreviveram.
“Esses quatro pacientes transplantados não apresentaram um
quadro característico esperado para Zika: manchas vermelhas na pele, coceira e
conjuntivite. Na verdade, as manifestações clínicas eram difíceis de serem
distinguidas daquelas observadas em pessoas com dengue. Apresentaram redução no
nível das plaquetas, por exemplo”, contou Nogueira.
Segundo o pesquisador, não houve manifestações mais graves,
como a síndrome de Guillain-Barré. “Mas à medida que os casos forem aumentando,
esses fenômenos devem ficar mais fáceis de serem detectados”, disse.
O artigo Fetal infection by Zika virus in the third
trimester – report of 2 cases (doi: 10.1093/cid/ciw613) pode ser lido emcid.oxfordjournals.org/content/early/2016/09/02/cid.ciw613.abstract
Já o estudo Zika Virus Infection and Solid Organ
Transplantation: A New Challenge (doi: 10.1111/ajt.14047) pode ser lido emonlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ajt.14047/epdf
Os dados também serão apresentados por Nogueira no 27º Congresso Brasileiro de
Virologia, que ocorre entre os dias 18 e 21 de setembro na cidade de
Pirenópolis (GO).
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