Crianças estão entre
as principais vítimas dos efeitos nocivos dos agrotóxicos no Brasil
Dados
inéditos da USP indicam que entre 2007 e 2014 foram notificadas 2.150
intoxicações somente na faixa etária de 0 a 14 anos de idade; número pode ser
50 vezes maior
(Por Cida
de Oliveira e Gabriel Valery, RBA - 04/09/2015)
Adoecimento:
é comum a pulverização de veneno sem equipamento de proteção
São
Paulo – Crianças e adolescentes estão entre as principais vítimas dos efeitos
nocivos dos agrotóxicos. Um estudo do Departamento de Geografia da Universidade
de São Paulo (USP), com base em dados do Ministério da Saúde e da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que entre 2007 e 2014 foram notificadas em todo
o país 2.150 intoxicações somente na faixa etária entre 0 e 14 anos de idade. O
dado, alarmante, não reflete o real, que pode ser 50 vezes maior. Isso porque
de cada 50 casos de intoxicação por esses venenos, apenas um é notificado no
serviço de saúde.
Os
dados, inéditos, foram apresentados pela professora Larissa Mies Bombardi, do
Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) durante o
seminário Impacto dos Agrotóxicos na Vida e no Trabalho, realizado quarta-feira
(2) na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Promovido pela Campanha Permanente
Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor,
entre outros parceiros que lutam pelo banimento agrotóxicos e das sementes
transgênicas no Brasil, o evento integra a programação da Associação Brasileira
de Saúde Coletiva (Abrasco), que está divulgando a atualização de seu Dossiê Impactos dos Agrotóxicos
na Saúde.
Estudiosa
do tema, a professora conta que só entre 1999 e 2009, o Sistema Nacional de
Informações Toxicológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra
que foram registradas 62 mil intoxicações por agrotóxicos no país. "São
5.600 intoxicações por ano, 15,5 por dia, uma a cada 90 minutos. Nesse período
houve 25 mil tentativas de suicídio com uso de agrotóxico. O dado é alarmante,
representando 2.300 casos por ano. São seis por dia”, afirma Larissa,
reforçando para o fato que o dado pode ser 50 vezes maior.
Para
o presidente do Consórcio de Segurança Alimentar do Sudoeste Paulista e
dirigente da Federação da Agricultura Familiar de São Paulo, José Vicente
Felizardo, as crianças sempre estiveram expostas a esses venenos no campo,
principalmente na plantação de tomates, que predomina em sua região. Ele conta
que até o ano 2000 a contaminação na faixa etária entre 5 e 14 anos ocorria
durante o trabalho, quando essas crianças manuseavam agrotóxicos,
"temperando a calda" – fazendo a diluição. "Eram comuns mortes de crianças", conta.
Conforme
ele, as denúncias não surtiam efeito. Até que em 2000 uma criança de 5 anos
morreu depois de beber agrotóxico. "Ela estava na roça com a mãe. Bebeu
agrotóxico. Conseguimos mobilizar a imprensa, mostrando as embalagens. Desde
então, a coisa começou a caminhar. No entanto, pouca coisa mudou. Segundo
Felizardo, crianças pequenas ainda são levadas às roças de tomate pelas mães.
"Elas ficam dormindo na sombra enquanto a mãe trabalha. E na hora de
pulverizar, a criança é pulverizada junto. Por isso, os números não
surpreendem.”
Os
venenos afetam também a saúde dos mais
velhos. Conforme Felizardo, nos acampamentos de tomate é comum os
trabalhadores, ainda adolescentes, desenvolverem
depressão e alcoolismo. "Não são raras as tentativas de suicídio, todas sem registro. Na região de Jaú, se a
gente ver as pessoas que estão fazendo tratamento de câncer, a maioria está exposta aos agrotóxicos", conta
Felizardo.
O
dirigente chama ainda a atenção para o assédio, desleal, da indústria do
veneno. Em sua região há poucos técnicos. "Se reunir todos os
agrônomos do poder público, temos em torno de 40 técnicos para assistência
técnica. Uma empresa na cidade vizinha tem, sozinha, 36 agrônomos, cada um com
um carro, que sai a cada propriedade vendendo os agrotóxicos. E a cada 15 dias
fazem palestra, faz churrasco e bebida e chama os agricultores para fazer
propaganda. É muito diferente a atenção. É desleal."
Desde
2009, o Brasil lidera o consumo mundial desses venenos, utilizando sobre suas
lavouras um quinto de todo o agrotóxico produzido no mundo. Tamanho consumo
está provocando uma verdadeira epidemia, silenciosa e violenta, colocando em
risco a vida e saúde dos camponeses, trabalhadores rurais e seus familiares, em
contato direto com o produto, e a população da cidade, que consume alimentos
cada vez mais encharcados.
Cancerígeno,
glifosato não é detectado por testes da Anvisa em alimentos
Em março passado, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o glifosato, presente em herbicidas como o Roundup – um dos mais utilizados no mundo – como cancerígenos prováveis para o homem. "Porém, a presença do veneno não é avaliada pela Anvisa em seu monitoramento de agrotóxicos nos alimentos", alerta a professora da Universidade Estadual do Rio do Janeiro (Uerj) e pesquisa da Fiocruz Karen Friedrich, que está entre os 44 autores do Dossiê da Abrasco.
Em março passado, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o glifosato, presente em herbicidas como o Roundup – um dos mais utilizados no mundo – como cancerígenos prováveis para o homem. "Porém, a presença do veneno não é avaliada pela Anvisa em seu monitoramento de agrotóxicos nos alimentos", alerta a professora da Universidade Estadual do Rio do Janeiro (Uerj) e pesquisa da Fiocruz Karen Friedrich, que está entre os 44 autores do Dossiê da Abrasco.
De
acordo com a Anvisa, as amostras dos alimentos são encaminhadas aos
laboratórios, cuja análise é realizada pelo método analítico de
“multirresíduos”. O método rápido, utilizado em outros países, analisa
simultaneamente diferentes ingredientes ativos de agrotóxicos em uma mesma
amostra. Porém, esse método não se aplica à análise de alguns ingredientes
ativos, como o glifosato, o 24D e o etefon, entre outros, que demandam
metodologias específicas e onerosas.
Considerando o cenário atual relativa à
larga utilização do glifosato e de reavaliação deste ingrediente ativo, a
Anvisa está trabalhando para pesquisar o glifosato em algumas culturas
agrícolas a partir de 2016, principalmente nas transgênicas e nas culturas em
que ocorre o uso como dessecante antes da colheita. Segundo
Karen, isso é grave, já que os alimentos podem conter doses elevadas do veneno.
"Se não há limite de segurança, ou seja, o agrotóxico é nocivo à saúde em
qualquer quantidade, imagine em grandes doses." Segundo a própria Anvisa, 70% dos alimentos têm agrotóxicos, alguns
deles com quantidades bem acima do tolerado.
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