Hortas urbanas, muito mais que moda
hipster
Estudo
revela que cidades já produzem 1/5 do alimento que consumimos; principais
cultivadores são populações pobres ou migrantes
(Por Aruna
Dutt, da IPS/Envolverde. 19/07/2016)
A
Habitat III, conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) dedicada às
cidades, vai explorar as possibilidades
da agricultura urbana como solução para garantir a segurança alimentar. Mas
em Nova York teve um impacto muito maior. Nas cidades de todo o mundo são
registrados níveis históricos de desigualdade. Mesmo em Nova York, coração do
mundo rico, muitos setores não têm garantida sua segurança alimentar.
Na Habitat III, que acontecerá de 17 a 20 de outubro, em Quito, capital do Equador,
será a primeira vez em 20 anos que a comunidade internacional se reunirá para analisar as consequências da urbanização e
pensar em uma nova estratégia global, a Nova Agenda Urbana.
Em Nova
York, o preço dos alimentos aumentou 59% desde 2000, ao contrário do salário
médio dos trabalhadores adultos, que só aumentou 17%. Cerca de 42% das famílias
não têm renda suficiente para cobrir suas necessidades de alimentação, moradia,
vestimenta, transporte e saúde, mas superam a quantia necessária para poder
receber assistência estatal.
Em
2015, foi criado o plano OneNYC,
vinculado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que
pretende tirar cerca de 800 mil pessoas da pobreza em uma década.“O OneNYC tem
grandes expectativas e se esforça muito para
atender a igualdade no sistema de alimentação e na gestão de desperdícios,
garantindo que cada vez mais cidadãos tenham acesso a alimentos saudáveis e
bons”, explicou à IPS Michael Hurwitz, diretor do mercado verde GrowNYC e que
trabalha noOneNYC.
Hurwitz
acrescentou que,“em uma cidade como NovaYork, a agricultura urbana pode ter
vários papéis: além de alimentar sua população, educa, oferece espaços seguros
e ajuda a compensar o orçamento destinado à alimentação”. A agricultura urbana desempenha um papel significativo na alimentação
da população das cidades em todo o mundo.
De
acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO), 800 milhões de pessoas cultivam verduras e frutas ou criam animais nas
cidades, produzindo o que, segundo o Instituto Worldwatch, representa a
assombrosa proporção de 15% a 20% da produção mundial de alimentos. Isso ocorre
em lugares do mundo onde a agricultura urbana ou periurbana representa de 50% a
70% do consumo de verduras da cidade.
Na
África, estima-se que cerca de 40% das populações urbanas se dedicam à
agricultura. Quem vive nas cidades há muito tempo, ou quem chegou há pouco,
planta porque tem forme, sabe como cultivar, além de o valor da terra ser baixo
e os fertilizantes baratos. Mas nos Estados Unidos, a agricultura urbana
provavelmente tenha maior impacto sobre a segurança alimentar em lugares que,
de certa forma, são mais parecidos com o Sul global, isto é, cidades onde a
renda média é baixa e há uma grande necessidade de alimentos acessíveis.
Hurwitz
observou o poder transformador da agricultura quando foi trabalhador social em
Redhook, no Brooklyn, bairro onde a renda de 40% dos moradores era inferior a
US$ 10 mil por ano. Nesse lugar, trabalhou em uma horta comunitária com
adolescentes de 16 e 17 anos, em um programa vinculado ao sistema judicial. Os
jovens levavam o que colhiam para suas cassas ou vendiam em mercados,
restaurantes locais e outros estabelecimentos.
“Nossos
jovens se tornaram agentes de mudança em suas comunidades. Ninguém queria
trabalhar com muitos dos adolescentes com os quis trabalhamos, mas, quando se
converteram na principal fonte de alimentos saudáveis em seu bairro no mercado
de produtos orgânicos, seus colegas, e os adultos, se deram conta de que, na
realidade, estavam gerando uma mudança na comunidade”, acrescentou Hurwitz.
O
sistema foi ampliado por meio da GrowNYC, uma organização não governamental que
funciona no escritório do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, e trabalha com
seis mil jovens por ano e oferece material para que o pessoal docente trabalhe
com eles na aula. Seu programa Growto Learn (Cultivar para Aprender) está
encarregado de todas a hortas escolares da cidade. Além disso, administra um
projeto de mini empréstimos e oferece assistência técnica e capacitação para os
professores sobre o cuidado com as hortas.
No
Bronx Sul, o mais pobre dos 435 distritos congressuais dos Estados Unidos em
2010, vivem 52 mil nova-iorquinos com renda bem baixa, 42 mil dos quais abaixo
da linha de pobreza, e é conhecido como “deserto alimentar”.Quando a GrowNYC
foi a esse bairro pela primeira vez, um policial alertou seu pessoal: “Não
queiram entrar, porque não é seguro”, recordou Hurwitz. “Mas em dois meses uma
área difícil se converteu em uma esquina grandiosa, de maravilhosa atividade
porque havia jovens vendendo alimentos aos seus vizinhos”.
Há anos
o programa Learn it, Grow it, Eat it (Aprenda, Cultive, Coma), da GrowNYC,
trabalha com escolas no Bronx Sul, ajudando a formar líderes ambientais, contou
Hurwitz. A iniciativa cuida de um dos postos agrícolas de jovens da
organização, capacitando-os em administração e agricultura para que possam
gerenciar seus próprios postos de venda. “Vimos muitos começarem em nosso
mercado e passarem a ser administradores do programa”, acrescentou.
Em Nova
York não se trata só de produzir uma quantidade padronizada de alimentos para
as comunidades necessitadas, mas de refletir a diversidade cultural. “Em nosso
programa temos quem cultive produtos por cerca de US$ 240 mil por hectare em
Staten Island”, a ilha diante de Manhattan, pontuou Huwirtz. Os mexicanos
plantam cultivos tradicionais para alimentar sua comunidade. Se não fosse isso,
não teriam acesso aos alimentos com os quais estão acostumados.
Surgiram
os grandes operadores de estufas e estas ficaram em moda. Mas o cultivo de uma
variedade limitada de verduras de grande qualidade não bastará para alimentar
as populações urbanas. “Preferiria que se destinassem US$ 2 milhões para a
preservação de plantações rurais a fim de alimentar as cidades”, opinou
Hurwitz. “Dessa forma seria possível levar alimento às cidades, garantir que
todos tivessem acesso a ele e assegurar que as propriedades continuem sendo
viáveis”, acrescentou.
Os prognósticos indicam que a população
das cidades duplicará nos próximos 30 anos, segundo o Atlas de Expansão Urbana. “A segurança alimentar
relacionada com a urbanização é um dos grandes temas que atrairão a atenção dos
participantes da Habitat III”, destacou Juan Close, diretor da ONU Habitat.
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