Incor cria técnica com ultrassom para tratar infarto
agudo do miocárdio
(Por Elaine Patricia
Cruz – Repórter da Agência Brasil. Edição: Talita Cavalcante. Em 23/05/2016
– São Paulo)
História Real
A professora do
curso de turismo da Universidade de São Paulo (USP) Célia Maria de Moraes Dias,
de 65 anos, estava dançando quando começou a sentir dores no peito. Era
novembro de 2014. Naquele momento, ela ainda não sabia, mas estava sofrendo um
infarto.
“No dia em que sofri o infarto, estava dançando em um
curso de pós-graduação em uma tese sobre a dança circular como elemento
alternativo de cura. Dancei duas músicas e estava infartando. Senti dor no
peito, mas não sabia. Nunca tinha tido nada", disse. "Não
tinha histórico [de infarto na família], não tenho colesterol alto, faço
atividade física, não tenho diabetes”, acrescentou.
Célia demorou a
perceber o que ocorria. Apesar da forte dor, que ela compara à “sensação de uma bola de ferro no peito”,
ela não procurou um médico imediatamente. Decidiu ir para casa. “Quando me deitei, aquela bola de ferro
dissolveu. E aí eu não podia respirar. Liguei para minha irmã, que é
enfermeira, e ela perguntou o que eu estava sentindo. Disse que sentia enjoo e
dor no peito, e ela então me disse que eu estava infartando e que deveria correr
ao hospital”, completou Célia.
A professora então
procurou atendimento na emergência do Hospital das Clínicas, na zona oeste da
capital paulista. Um primeiro eletrocardiograma feito no local não constatou
alteração alguma, mas o médico que a atendeu fez novos exames, identificou que
ela estava mesmo sofrendo um infarto e a encaminhou imediatamente ao Instituto
do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Foi lá que Célia aceitou ser voluntária para uma pesquisa
que está sendo desenvolvida por médicos do Incor e que pode inovar a forma de
tratar o infarto agudo do miocárdio.
Pesquisa
Desde 2014, uma
equipe de pesquisadores do Incor, liderada pelo médico Wilson Mathias Júnior,
diretor do Serviço de Ecocardiografia do instituto, estuda a aplicação de um método de diagnóstico
já consagrado, o ultrassom com
microbolhas, para tratamento do
infarto do miocárdio em fase aguda, em até 12 horas após o início da dor.
Ou seja, o ultrassom com microbolhas que antes era usado apenas para
diagnóstico, agora passa a ser uma etapa do tratamento para o infarto do
miocárdio.
“As microbolhas
foram inventadas, há mais de dez anos, pensando-se em melhorar o diagnóstico
médico por ultrassom. Posteriormente, descobriu-se que, quando você intensifica
uma região que contém microbolhas, elas vibram e, por vezes, elas explodem. É
uma microexplosão, mas quando ela se rompe, forma um pequeno jato – como se
você furasse uma bola de futebol e saísse um pequeno jato de ar – e esse microjato
tem efeitos biológicos. Um desses efeitos é que, se ele está dentro de um
trombo [coágulo], é como se fosse uma microdinamite que vai explodir, e cada
bolhinha que explode lá dentro vai abrindo uma cavidade no trombro e vai
causando a trombólise por ultrassom”, explicou o médico.
O estudo, foi feito
com 42 pacientes do Incor até o momento, constatou que os pacientes submetidos ao tratamento com o ultrassom de microbolhas
tiveram índices maiores de abertura da artéria obstruída e de recuperação do
miocárdio em processo de infarto, quando comparados aos pacientes que não
passaram pela técnica.
Atualmente, o
tratamento aplicado para esse tipo de caso é a angioplastia primária:
"Desobstrução mecânica da artéria coronária por um catéter nas primeiras
seis horas ou até 12 horas do início da dor no peito”, ecplica o médico. No
entanto, a angioplastia primária só é feita em poucos hospitais brasileiros,
onde há estrutura para isso. Na maioria dos hospitais do país, portanto, o
tratamento para o infarto agudo do miocárdio consiste na introdução de
substâncias que dissolvem o coágulo, chamadas fibrinolíticos. Esses
medicamentos têm uma eficácia, segundo o médico, em torno de 60% e provocam
riscos de hemorragias. “Mas no balanço entre risco e benefício, como o dano do
infarto é muito grande, o risco acaba compensando”, explicou.
Ultrassom com microbolhas
O ultrassom com
microbolhas consiste em um gás
perfluorocarbono que é encapsulado por camada de lipídios. O procedimento não é tóxico e é um método
fácil de ser aplicado por profissionais de saúde. As bolhas, que circulam no
sangue por cerca de 20 minutos, têm cerca de dois micra de diâmetro, três vezes
menor que uma célula vermelha (hemácia), que tem cerca de seis micra de
diâmetro.
A nova técnica é
aplicada no paciente entre a chegada dele ao Incor e o transporte dele ao
laboratório de cateterismo. “Se existe uma sala disponível, esse infartado sobe
imediatamente. Se não existe, esse infartado fica sendo monitorado no
pronto-socorro aguardando a liberação da sala. E é nessa janela, que varia de
cinco a trinta minutos, que trabalhamos e efetuamos a primeira parte da
terapia, cujo objetivo é romper os coágulos que estão nas coronárias e romper
outros coágulos que vão migrando para a parte de baixo da microcirculação e vão
entupindo os pequenos vasos. As bolhinhas vão até o capilar, rompendo os
trombos mesmo em vasos pequenos”, explicou o médico.
A técnica não
substitui a angioplastia primária, mas ajuda “a interromper o processo de
necrose do coração”. “Ainda é preciso fazer a angioplastia, mas você abre a
artéria coronária para o paciente, que é o que faz a diferença”, acrescentou.
A ideia dos
pesquisadores é que no prazo de sete
anos essa nova técnica possa ser usada mundialmente como tratamento para o
infarto agudo do miocárdio, estando disponível para aplicação em
ambulâncias, por exemplo, enquanto o paciente é encaminhado ao hospital. Até
lá, a pesquisa ainda será ampliada e desenvolvida com 100 pacientes do Incor,
até ser levada e testada em outros países.
O infarto
Segundo Mathias
Júnior, aproximadamente 30 pessoas em cada grupo de cem em todo o mundo morrem
por um problema cardiovascular. “Dessa população que falece por um problema
cardiovascular, em quase metade, a causa
é a doença arterial coronária, doença causada pela deposição de placas de
gordura nas artérias coronárias, que são as artérias que irrigam o músculo
cardíaco. Essas placas de gordura, em algum momento, sofrem um processo em que
elas se rompem pelo estresse do fluxo de sangue e essa gordura e o material
interno da placa são expostas para o sangue”, explica o médico. “Ali se forma
um coágulo e esse coágulo vem a entupir. A partir daí, toda a musculatura que é
irrigada por essa artéria coronária morre e o coração, que é uma bomba,
dependendo da extensão da morte do músculo, tem um grau de disfunção cardíaca
que o indivíduo pode vir a ter.”
“A partir de 20
minutos [do início da] dor no peito, começa a ocorrer necrose, começa a ocorrer
verdadeiramente o infarto e, a partir daí, quanto mais tempo vai se passando,
mais músculo vai se perdendo”, explicou o médico.