Crônica do
Villas: a mania de doença virou epidemia
(Por Alberto
Villas, Carta Capital: Cultura/ Boletim
Médico - 28/08/2015)
"No mundo moderno, a mania de doença virou epidemia"
Quando
aparecia uma dor de garganta, era só esfregar Vick-Vaporub.
Quando alguém
tinha uma dor de cabeça, bastava tomar um comprimido de Melhoral e pronto. A
propaganda dizia que Melhoral é melhor e não faz mal.
Quando alguém
cortava o dedo, abria o armarinho do banheiro, pegava o vidro de mercurocromo,
um chumaço de algodão, passava no corte, soprava e acabou.
Quando alguém
andava meio esquecido, rezava uma oração pra São Longuinho, dava três pulinhos
e fim de papo.
Quando alguém
estava com disenteria, que chamávamos de piriri, a solução era um comprimidinho
marrom de Entero Viofórmio. Tiro e queda.
Quando alguém
tinha umas pontadas no coração, aparecia sempre alguém que aconselhava: Respira
fundo! Respirava e a dor ia embora.
Quando alguém
estava sentindo o fígado meio estropiado, nada melhor que umas pílulas de vida
do Doutor Ross.
Quando alguém
andava meio nervoso, era só tomar uma colherada de Maracugina que ficava
calminho em poucos minutos.
Quando caia
um cisco no olho, bastava pingar uma gotinha de colírio Moura Brasil e a vida
seguia.
Quando alguém
acordava com dor nas costas, ia até a farmácia e comprava uma caixa de
emplastro Sabiá. Adeus dor nas costas!
Quando
aparecia uma dor de garganta, era só esfregar Vick-Vaporub e a garganta ficava
inteirinha de novo.
Quem tinha pé
torto, usava botinha ortopédica. Quem era caolho, usava um tampão na vista.
Quem quebrava o pé, engessava. Quem tinha sarna, tomava um banho com sabonete
de glicerina. Quem estava sem apetite, Biotônico Fontoura! Quem estava ficando
raquítico, óleo de fígado de bacalhau.
Quem torcia o
pé? Iodex! E quem tinha frieira nos pés, a solução era o tal Polvilho
Antisséptico de Granado.
Agora quem
tinha soluço, colocava um pedacinho de papel na testa e quem tinha dor de
dente, cera do Doutor Lustosa.
Hoje a coisa
mudou. O pânico tomou conta das pessoas, sadias ou não.
Dor de
cabeça? Deve ser câncer no cérebro!
O corte não
cicatrizou? Leucemia!
Esqueceu onde
colocou a chave do carro? Princípio de Alzheimer.
Dor de
barriga? Deve ser alguma coisa grave no intestino.
Estresse?
Isso tem algum fundo psicológico e pode ser grave. Psicólogo já!
Até um mísero
cisco no olho, há desconfiança de deslocamento da retina.
Não sei se é
a idade, mas ando desconfiado que todo mundo está meio paranoico com doença. Da
fila do postinho do SUS ao café no saguão do Hospital Sírio-Libanês.
Parodiando um
antigo compositor pernambucano, acho que pra essa paranoia generalizada do
mundo moderno, “não há um só remédio em toda medicina”.
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