Cientistas estudam
fungos da Antártica em busca de medicamento contra dengue
(Por
Leo Rodrigues - Correspondente da Agência Brasil. Edição: Armando Cardoso.
21/05/2017 - Belo Horizonte)
Cientistas
mineiros estudam fungos da Antártica
em busca de substâncias que possam servir
para elaboração de medicamentos contra o vírus da dengue. O projeto
Micologia Antártica ou simplesmente MycoAntar está realizando testes com mais de 5 mil extratos de
substâncias obtidas. Dois deles já demonstraram potencial para dar origem a
antivirais para humanos, pois foram capazes de inibir o vírus da dengue com
baixa toxicidade.
A
iniciativa envolve pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre outras instituições. Durante cada
Operação Antártica, que ocorre anualmente entre os meses de outubro e março,
cientistas viajam ao continente gelado para realizar a coleta de fungos. As
amostras, reunidas desde a criação do projeto em 2013, permitiu à UFMG
constituir a maior coleção de fungos da Antártica do mundo. São cerca de 8 mil
espécies.
Utilizando
essas amostras, os cientistas da UFMG crescem os fungos em baixa temperatura e
coletam extratos das substâncias produzidas. Eles são enviados para o Centro de
Pesquisa Renê Rachou, da Fiocruz, sediado em Belo Horizonte. Lá são
identificados os que manifestaram atividade biológica em contato com o vírus da
dengue.
"Digamos
que, de mil extratos, 100 foram ativos. Então, vamos mapear cada substância
desses 100 extratos para testá-las individualmente. Já estamos nessa fase do
estudo. Dois extratos já se mostraram mais promissores e agora vamos
caracterizar todas as suas substâncias", explicou Luiz Rosa, pesquisador
da UFMG.
Também
já foi identificada uma substância capaz de inibir o vírus da dengue, conhecida
como meleagrina. No entanto, ela não
é inédita. "Já havia sido observada em fungo marinho e agora nós a
encontramos em um fungo da antártica. O problema é o seu preço. Apenas 1 miligrama vale US$ 1 mil. Mas pode
ser que, de repente, nós descobrimos que esse fungo consegue produzi-la em
maior quantidade. Ou quem sabe, no futuro, a gente consiga usar essa substância
como modelo para criar uma molécula sintética que pode gerar um medicamento
acessível", acrescenta Rosa.
O
cientista esclarece que o medicamento que buscam não será necessariamente capaz
de eliminar a dengue. Pode ser, por exemplo, um remédio que alivie os sintomas de uma fase aguda ou que ajude a desenvolver uma vacina.
Biodiversidade
Com aproximadamente 14 milhões de quilômetros quadrados, a Antártica é
territorialmente 1,6 vezes maior que o Brasil e 1,4 vezes maior que os Estados
Unidos. Em toda essa extensão há uma grande variedade de seres vivos. No
entanto, a vida do continente gelado é
composta de poucos macroorganismos. A maior
biodiversidade é microbiana, isto é, composta de bactérias, fungos, vírus, microalgas e etc.
O
isolamento da Antártica também faz com que muitas dessas espécies tenham
características particulares e sejam exclusivas, não existindo em qualquer
outra parte do mundo.
"Este
ano nós descrevemos um fungo novo, azul, o que é muito raro. Então estas
espécies que existem lá podem ter vias metabólicas únicas, o que pode levar a
descoberta de substâncias inéditas", esclareceu o pesquisador Luiz Rosa. A
nova espécie foi encontrada na neve da Antártica e foi batizado de
Antarctomyces pellizariae.
Os
estudos com foco na busca por medicamentos contra a dengue estão mais
avançados, mas também está sendo
verificada a atividade das substâncias coletadas para os vírus da zika e da
febre chikungunya, entre outras doenças. Luiz Rosa destacou a importância
dos investimentos públicos no Mycoantar.
"As
grandes indústrias farmacêuticas investem pouco nos estudos com doenças
restritas aos países tropicais, que são geralmente países subdesenvolvidos.
Isso porque pesquisas com essas enfermidades, como a dengue, a zika e a febre
chikungunya, dão pouco retorno financeiro. Por isso, damos a elas o nome de
doenças negligenciadas. Entretanto, elas nos afetam. Cabe aos órgãos públicos,
como as universidades e a Fiocruz, desenvolverem esses estudos",
acrescentou o pesquisador.
Programa
Antártico Brasileiro
O
MycoAntar é um dos projetos que integram o Programa Antártico Brasileiro
(Proantar), voltado para exploração científica do continente gelado. Ele existe
desde 1982 e é desenvolvido a partir do apoio operacional da Marinha e do
financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
(MCTI) e de instituições de fomento à pesquisa.
Desde
1982, em todos os anos, uma Operação Antártica é realizada. Entre outubro e
março, os pesquisadores viajam para o continente gelado em expedições com apoio
logístico da Marinha. Em 2016, ocorreu a 35ª Operação Antártica. Embora as
expedições tenham período determinado, os estudos vinculados ao Proantar são
ininterruptos e têm prosseguimento durante todo o ano nos laboratórios das
instituições brasileiras participantes.